26.06.2013 Views

OS FUNDAMENTOS DA LIBERDADE

OS FUNDAMENTOS DA LIBERDADE

OS FUNDAMENTOS DA LIBERDADE

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

68 Os Fundamentos da Liberdade<br />

quer estágio de nossa evolução, o sistema de valores dentro do qual nascemos<br />

indica os fins aos quais nossa razão deve servir. Uma estrutura<br />

de valores, que nos é dada de antemão, implica que, embora sempre devamos<br />

lutar para aperfeiçoar nossas instituições, nunca poderemos pretender<br />

recriá-las totalmente e que, em nossas tentativas de aperfeiçoálas,<br />

teremos de aceitar como fato consumado muitas coisas que não<br />

compreendemos. Sempre nos moveremos no âmbito de uma estrutura<br />

de valores e instituições que não foi criada por nós. Em particular, nunca<br />

poderemos criar artificialmente um novo conjunto de normas morais,<br />

nem condicionar nossa observância das normas conhecidas à compreensão<br />

das implicações que esta observância terá num determinado<br />

caso.<br />

7. Superstições em Torno da Superstição<br />

A posição da escola racionalista a respeito destes problemas pode<br />

ser melhor analisada à luz daquilo que ela chama de "superstição". ( 38 l<br />

Não é minha intenção subestimar o mérito da luta persistente e incansável<br />

conduzida nos séculos XVIII e XIX contra convicções que são comprovadamente<br />

erradas. < 39 l Mas devemos lembrar que a extensão do<br />

conceito de superstição a todas as teses cuja validade não pode ser demonstrada<br />

também não se justifica, e, muitas vezes, pode ser prejudicial.<br />

O fato de que não devemos acreditar em nada que seja comprovadamente<br />

errado não significa que devamos acreditar apenas naquilo<br />

cuja verdade foi demonstrada. Qualquer pessoa que queira viver e<br />

atuar com sucesso em sociedade precisa, por motivos óbvios, aceitar<br />

que, acredito, não considera a obra de Hume do meu ponto de vista. Em The Structure oj<br />

Freedom (Stanford, Calif.: Stanford University Press, 1958), página 33, escreve C. Bay:<br />

"As normas de moralidade e de justiça constituem aquilo que Hume define eomo 'artifícios';<br />

não são de ordem divina, nem fazem parte integrante da natureza humana original,<br />

e nem foram reveladas pela razão pura. São o produto da experiência prática da humanidade,<br />

e a única consideração na lenta prova do tempo é a utilidade que cada norma moral<br />

pode demonstrar na promoção do bem-estar do homem. Hume pode ser considerado precursor<br />

de Darwin na esfera da ética. Com efeito, ele proclamou a doutrina da sobrevivência<br />

do mais apto no que se refere às convenções humanas- apto, não no sentido de capacidade,<br />

mas no sentido de máxima utilidade social".<br />

38 Cf. H.B. Acton, "Prejudice", Revue internationale de philosophie, Vol. XXI<br />

(1952), com a interessante demonstração da semelhança de posições entre Hume e Burke;<br />

também a conferência do mesmo autor "Tradition and Some Other Forms of Order",<br />

Proc. Arist. Soe., 1952-53, especialmente a observação inicial de que "liberais e coletivistas<br />

se unem contra a tradição, quando se trata de atacar alguma 'superstição"'. Ver também<br />

Lionel Robbins, The Theory oj Economic Policy (Londres, 1952), página 196, nota.<br />

39 Talvez isto seja levar as coisas longe demais. Uma hipótese pode ser teoricamente<br />

falsa, mas, se dela forem deduzidas novas conclusões comprovadamente verdadeiras, pode<br />

ser mais válida do que atuar sem hipóteses. Essas formulações provisórias, ainda que<br />

parcialmente errôneas, respondem a questões importantes, e podem ser extremamente<br />

úteis para fins práticos, embora o cientista não as aprecie pelos riscos que representam<br />

para o avanço da ciência.<br />

Liberdade, Razão e Tradição 69<br />

muitas convicções comuns, embora o valor de tais convicções talvez<br />

pouco tenha a ver com a possibilidade de se demonstrar sua<br />

validade. ( 40 l Estas crenças podem basear-se também em experiências<br />

passadas, mas não em experiências passíveis de comprovação. Obviamente,<br />

quando se pede a um cientista que aceite uma generalização em<br />

seu campo, ele terá o direito de exigir a evidência em que tal generalização<br />

se baseia. Desta maneira, foram refutadas muitas convicções que<br />

no passado expressavam a experiência acumulada da espécie humana.<br />

Entretanto, isto não significa que poderemos chegar a um estágio em<br />

que dispensaremos todas as convicções que carecem de tal comprovação<br />

científica. O homem adquire experiência de formas muito mais variadas<br />

do que imaginam habitualmente os pesquisadores profissionais<br />

ou o investigador do conhecimento explícito. Destruiríamos, praticamente,<br />

os fundamentos da ação eficaz se deixássemos de confiar em<br />

métodos desenvolvidos pelo processo de tentativa e erro, simplesmente<br />

por desconhecermos por que deveríamos segui-los. A adequação de<br />

nossa conduta não depende necessariamente de sabermos por que ela é<br />

adequada. Esse conhecimento é uma maneira de tornar adequada nossa<br />

conduta, mas não a única. Um mundo estéril de convicções, depurado de<br />

tod.os os elementos cujos valores não podem ser demonstrados de maneira<br />

positiva, provavelmente não seria menos letal que um estado equivalente<br />

na esferá biológica.<br />

Embora isto se aplique a todos os nossos valores, é especialmente<br />

importante no caso das normas morais de conduta. Depois da linguagem,<br />

são elas talvez o mais significativo exemplo de evolução espontânea<br />

de um conjunto de normas que governam nossas vidas, embora não<br />

possamos dizer por que são como são nem que efeito exercem sobre<br />

nós: nós não sabemos o que as conseqüências da observância de tais<br />

normas representam para nós, como indivíduos ou como grupo. E o espírito<br />

racionalista está em constante revolta contra a necessidade de<br />

submissão às normas. Os racionalistas insistem em aplicar a tais normas<br />

o princípio de Descartes: "rejeitar como completamente falsas todas<br />

as convicções em relação às quais se possa ter o menor motivo de<br />

dúvida". ( 4 1l Os racionalistas sempre aspiraram a um sistema moral sin-<br />

40 Cf. Edward Sapir, Selected Writings in Language, Culture and Personality, ed.<br />

D.G. :Vtandelbaum (Berkeley: University of California Press, 1949), página 558: "Às vezes<br />

é necessário ter consciência das formas de conduta social, a fim de promover uma<br />

adaptação que atenda melhor às novas condições. Entretanto, acredito que possamos estabelecer<br />

como princípio de aplicação geral a idéia de que, no dia-a-dia, é inútil e até prejudicial<br />

para o individuo arrastar consigo a análise consciente de seus modelos culturais.<br />

Isto deve ficar a cargo dos estudiosos, cuja função é entender tais padrões. Uma saudável<br />

inconsciência das formas de conduta socializada às quais estamos sujeitos é tão necessária<br />

à sociedade como a ignorância ou inconsciência do trabalho das visceras para a saúde do<br />

corpo". Ver também página 26.<br />

41 Descartes, op. cit., Parte IV, página 26.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!