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OS FUNDAMENTOS DA LIBERDADE

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114 Os Fundamentos da Liberdade<br />

tões específicas, a tese da democracia é sempre apresentada como se a necessidade<br />

de sua máxima generalização possível fosse incontestável.<br />

Quase todos admitem implicitamente que isso não é verdade no<br />

que diz respeito ao direito ao voto. Seria difícil, com base em qualquer<br />

teoria democrática, encarar como progresso toda a possível extensão do<br />

direito de votar. Fala-se em sufrágio universal para adultos, mas os limites<br />

do sufrágio são na verdade em grande parte fixados com base em<br />

considerações de conveniência. O limite comum de idade de 21 anos e a<br />

exclusão de criminosos, de residentes estrangeiros, de cidadãos não residentes<br />

no país e de habitantes de determinadas regiões ou territórios<br />

são geralmente considerados razoáveis. Também não é de modo algum<br />

óbvio que a representação proporcional seja melhor porque é aparentemente<br />

mais democrática. < 3 > Não se pode dizer que a igualdade perante a<br />

lei exige necessariamente que todl)s os adultos tenham direito de votar;<br />

o princípio continuaria vigorando· se a mesma norma impessoal fosse<br />

aplicada a todos. Se somente as pessoas acima de quarenta anos, ou só<br />

os que percebem algum tipo de renda, < 4 > ou só os chefes de família, ou<br />

as pessoas com um nível mínimo de escolaridade tivessem direito ao voto,<br />

isto não constituiria violação maior do princípio do que as restrições<br />

normalmente aceitas.<br />

As pessoas mais sensatas podem também argumentar que seria<br />

mais coerente, do ponto de vista do ideal da democracia, se aos funcionários<br />

do governo ou a todos os que vivem de subvenções governamentais<br />

fosse vedado o voto. Ainda que o sufrágio universal pareça a melhor<br />

solução no mundo ocidental, isto não prova que algum princípio<br />

básico o imponha.<br />

Devemos lembrar, também, que o direito da maioria normalmente<br />

é reconhecido apenas dentro de determinado país e que um país nem<br />

sempre constitui uma unidade natural ou evidente. Obviamente, não<br />

consideramos justo que os cidadãos de um grande país dominem os de<br />

um país vizinho só porque são mais numerosos. Não há razão para que<br />

a maioria dos cidadãos que se uniram por determinadas finalidades,<br />

tanto em uma nação quanto em alguma organização supranacional, se<br />

considere no direito de estender o âmbito de seu poder como lhe aprouver.<br />

A atual teoria da democracia é falha pelo fato de ter sido elaborada<br />

a partir de uma comunidade homogênea ideal e haver sido aplicada na<br />

prática às imperfeitas e freqüentemente arbitrárias unid&des que constituem<br />

os Estados existe.ntes.<br />

3 Ver F.A. Hermens, Democracy or Anarchy? (Notre Dame, Indiana, 1941).<br />

4 É bom lembrar que na mais antiga e mais estável democracia européia, a Suíça, às<br />

mulheres ainda é vedado o vo.to, aparentemente com a aprovação da maioria delas. Também<br />

parece plausível que, em condições primitivas, somente o sufrágio limitado, por<br />

exemplo, aos proprietários de terra, permitiria a constituição de um Legislativo suficientemente<br />

independente do governo para exercer efetivo controle sobre este.<br />

O Governo da Maioria 115<br />

Estas observações têm por fim exclusivo mostrar como nem o mais<br />

dogmático dos democratas pode afirmar que toda e qualquer ampliação<br />

da democracia é um bem. Independentemente do peso dos argumentos<br />

a favor da democracia, ela não é um valor último, ou absoluto,<br />

e deve ser julgada pelo que realizar. Ela constitui provavelmente o melhor<br />

método para a consecução de certos fins, mas não é um fim em si<br />

mesma. < 5 > Embora o método democrático de decisão pareça o mais recomendável<br />

quando uma ação coletiva é obviamente necessária, a decisão<br />

relativa à conveniência ou não de se ampliar o controle coletivo deve<br />

ser tomada com base em outros princípios que não os da democracia<br />

em si.<br />

3. A Soberania Popular<br />

As tradições democrática e liberal concordam, portanto, que, sem,<br />

pre que se torne necessária a ação do Estado e, sobretudo, sempre que<br />

seja preciso elaborar medidas coercitivas, a decisão deve ser da maioria.<br />

Diferem, porém, quanto à abrangência da ação estatal que se guiará<br />

por decisão democrática. Enquanto o democrata dogmático considera<br />

ideal que o maior número possível de questões seja decidido pelo voto<br />

da maioria, o liberal defende limites explícitos para o espectro de problemas<br />

que podem ser resolvidos desta maneira. O democrata dogmático<br />

crê em especial que qualquer maioria corrente deve ter o direito de<br />

decidir de que poderes dispõe e de que forma os exercerá, ao passo que<br />

o liberal considera igualmente importante que os poderes de uma maioria<br />

temporária sejam limitados por princípios duradouros. Para ele, a<br />

autoridade de uma decisão da maioria não deriva de mero ato da vontade<br />

de uma maioria momentânea, mas de um consenso mais amplo em<br />

torno de princípios comuns.<br />

O conceito fundamental para o democrata doutrinário é o de soberania<br />

popular. Isto significa para ele que o governo da maioria é ilimitado<br />

e ilimitável. Deste modo, o ideal democrático, originalmente concebido<br />

para coibir todo poder arbitrário, passa'a justificar uma nova forma<br />

de poder arbitrário. Não obstante, a autoridade de uma decisão democrática<br />

está em ter sido tomada pela maioria de uma comunidade<br />

que se mantém unida graças a certos princípios comuns à maior parte<br />

de seus membros; e é preciso que esta maioria se submeta também a tais<br />

5 Cf. F.W. Maítland, Collected Papers (Cambridge: Cambridge University Press,<br />

1911), I, 84: "Os que pensaram que o caminho democrático seria o caminho da liberdade<br />

confundiram um meio temporário com urn fim último". Ver também J. Schumpeter, Capitalism,<br />

Socialism, and Democracy (Nova Iorque, 1942), página 242: "A democracia é<br />

um método político, ou seja, um a·rranjo institucional pelo qual se chega a decisões políticas<br />

- legislativas e administrativas -, sendo, portanto, incapaz de constituir um fim em si<br />

mesma, independentemente das decisões que venha a gerar em determinadas condições<br />

históricas".

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