XXXVIII Os Fundamentos da Liberdade ção não será precisa enquanto não analisarmos outros termos quase tão vagos, como "coerção", "arbitrariedade" e "lei", indispensáveis numa discussão sobre liberdade. Contudo, a análise destes conceitos foi transferida para o início da Parte II, a fim de que a aridez da explicação não nos impedisse de abordar questões mais substanciais. Nesta tentativa de reafirmar uma filosofia de vida do homem em sociedade, que se desenvolveu gradualmente durante mais de 2 mil anos, fui encorajado pelo fato de que ela freqüentemente ressurgiu da adversidade com renovada força. Nas últimas gerações ela passou por um de seus períodos de decadência. Se, para alguns, especialmente os europeus, este livro parecer uma forma de investigação sobre a base racional de um sistema que não mais existe, devo esclarecer que, para que nossa civilização não entre em decadência, precisamos reavivar este sistema. Sua filosofia tornou-se estacionária no momento de sua maior influência, assim como freqüentemente progrediu quando se encontrava na defensiva. De fato, nos últimos cem anos progrediu muito pouco, e, atualmente, está na defensiva. Entretanto, as próprias críticas a tal sistema nos têm mostrado seus pontos vulneráveis, em sua forma tradicional. Não é preciso ser mais sábio que os grandes pensadores do passado para poder compreender melhor as condições essenciais à liberdade individual. A experiência dos últimos cem anos ensinou-nos muitas coisas que Madison ou Mill, Tocqueville ou Humboldt não puderam perceber. O momento propício de reavivar esta tradição dependerá não só do êxito que alcançarmos em melhorá-la, mas também do estofo moral de nossa geração. Essa tradição foi rejeitada numa época em que os homéns não viam limites à sua ambição, porque é um credo modesto e até humilde, baseado numa considerável falta de confiança na sabedoria e capacidade humanas e na consciência de que, nos limites dentro dos quais podemos planejar, nem a melhor das sociedades conseguirá satisfazer todos os nossos desejos. Ela está tão distante do perfeccionismo como da pressa e impaciência do reformador apaixonado, cuja indignação diante de determinados males freqüentemente o impede de perceber o prejuízo e a injustiça que a concretização de seus planos tenderá a produzir. A ambição, a impaciência e a pressa são, às vezes, admiráveis nos indivíduos; são porém perniciosas quando orientam o poder de coerção e quando o aperfeiçoamento depende daqueles que, ao lhes ser conferida a autoridade, supõem que ela encerra sabedoria superior, e, portanto, o direito de impor suas idéias aos outros. Espero que nossa geração tenha aprendido que foi o perfeccionismo, de um tipo ou de outro, que freqüentemente destruiu qualquer grau de decência que as sociedades já chegaram a alcançar. < 9 > Com objetivos mais limitados, 9 David Hume, que será nosso constante companheiro e sábio guia ao longo das páginas seguintes, já em 1742 (Essays, II, página 371), se referia a "este perigoso esforço fi- Introdução da Edição Original XXXIX mais paciência e mais humildade poderemos, na verdade, fazer progressos maiores e mais rápidos do que fizemos quando orientados por "uma confiança orgulhosa e extremamente presunçosa na sabedoria transcendente e na clarividência desta época". < 10 > losófico em busca da perfeição, que, sob o pretexto de corrigir preconceitos e erros, contraria os mais caros sentimentos do coração e as mais úteis opiniões e tendências que governam a criatura humana", e nos advertia (página 373) para que "não nos afastássemos demais das máximas de·comportamento e conduta recebidas, em prol de uma fascinante busca da felicidade ou perfeição". lO W. Wordsworth, The Excursion (Londres, 1814), Parte II.
PARTE I O Valor da Liberdade "Ao longo da história, oradores e poetas têm exaltado a liberdade, mas ninguém ainda nos ensinou por que a liberdade é tão importante. A visão da civilização como algo estático ou como algo em evolução deveria determinar nossa atitude diante destas questões. ( ... )Numa sociedade em evolução, qualquer restrição à liberdade limita o número de experiências possíveis, Ieduzindo, dessa forma, o ritmo do progresso. Em tal sociedade, a liberdade de ação não é assegurada ao indivíduo porque isso lhe dá maior satisfação, mas porque, se lhe for permitido escolher seu próprio caminho, poderá, de modo geral, servir-nos melhor do que se obedecesse às nossas ordens." (*) H. B. PHILLIPS (*)A epígrafe da Parte I foi extraída de H. B. Phillips, "On the Nature of Progress", American Scientist, XXXIII (1945), 255.
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