O infinito e sua importância para o problema de Deus, uma ... - FaJe
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carta a Chanut 44 , Descartes escreve que <strong>para</strong> se reconhecer <strong>uma</strong> coisa como infinita<br />
<strong>de</strong>ver-se-ia consi<strong>de</strong>rá-la “tal qual ela é”. Ora como o nosso entendimento é finito, é<br />
impossível compreen<strong>de</strong>r a gran<strong>de</strong>za <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> tal qual Ele é. Mas Ele é ainda mais<br />
incompreensível porque as <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> Sua liberda<strong>de</strong> não obe<strong>de</strong>cem a nenhum<br />
parâmetro acessível à razão h<strong>uma</strong>na: são absolutamente arbitrárias <strong>para</strong> nós. Como tais,<br />
elas se tornam radicalmente incompreensíveis.<br />
Evi<strong>de</strong>ntemente, esta incompreensibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>, entre outras consequências<br />
drásticas, parece barrar o acesso ao conhecimento h<strong>uma</strong>no <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>. A se<strong>para</strong>ção entre a<br />
mente h<strong>uma</strong>na finita e a infinitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> seria um abismo intransponível que<br />
impossibilitaria a resposta à questão <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> na filosofia <strong>de</strong> Descartes, se não fosse a<br />
teoria das i<strong>de</strong>ias inatas que constituem a base do argumento cartesiano <strong>para</strong> provar a<br />
existência <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>.<br />
Com efeito, se <strong>Deus</strong> é incompreensível, Ele, no entanto, não é irracional, nem<br />
incognoscível, <strong>uma</strong> vez que pôs em nós a i<strong>de</strong>ia clara e distinta <strong>de</strong> Sua perfeição. Assim,<br />
a incompreensibilida<strong>de</strong> constitui apenas o aspecto negativo <strong>de</strong> Sua infinitu<strong>de</strong>, que,<br />
enquanto perfeição s<strong>uma</strong>, é algo eminentemente positivo e, portanto, inteligível. 45<br />
Na verda<strong>de</strong>, é justamente a nossa percepção imediata da essência do <strong>infinito</strong>,<br />
pela i<strong>de</strong>ia inata que Dele temos, que nos dá o conhecimento da nossa finitu<strong>de</strong> mediante<br />
a intuição <strong>de</strong> <strong>uma</strong> gran<strong>de</strong>za tão <strong>de</strong>scomunal que nossa inteligência, ao percebê-la,<br />
compreen<strong>de</strong> que não é capaz <strong>de</strong> abrangê-la. Assim, embora a limitação <strong>de</strong> nossa<br />
inteligência nos inabilite a conhecer a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> no seu todo, ela não nos<br />
44 «(...) parce que je ne dis pas que le mon<strong>de</strong> soit infini, mais indéfini seulement. En quoi il y a une<br />
différence assez remarquable: car, pour dire qu’une chose est infinie, on doit avoir quelque raison qui la<br />
fasse connaître telle (...) » (Lettre a Chanut, 6 <strong>de</strong> June <strong>de</strong> 1647, AT V, p. 51, linhas 24-28).[(...) porque eu<br />
não digo que o mundo seja <strong>infinito</strong>, mas in<strong>de</strong>finido somente. Nisso há <strong>uma</strong> diferença bastante notável:<br />
pois, <strong>para</strong> dizer que <strong>uma</strong> coisa é infinita, <strong>de</strong>ve-se ter alg<strong>uma</strong> razão que a faça conhecê-la como tal(...)].<br />
(Tradução livre nossa).<br />
45 Em latim, “Non possumus omnia quae in Deo sunt verbis complecti, nec etiam mente comprehen<strong>de</strong>re,<br />
i<strong>de</strong>oque <strong>Deus</strong> est ineffabilis et incomprehensibilis; sed multa tamen sunt revera in Deo, sive ad Deum<br />
pertinent, quae possumus mente attingere ac verbis exprimere, imo etiam plura quam in ulla alia re,<br />
i<strong>de</strong>oque est maxime cognoscibilis et effabilis” (Lettre a Mersenne, 21 Janvier 1641, AT III, p. 284, linhas<br />
5-12). [Não po<strong>de</strong>mos abranger com palavras tudo o que existe em <strong>Deus</strong>, tampouco compreen<strong>de</strong>r com a<br />
mente. Por isso, <strong>Deus</strong> é inefável e incompreensível. Entretanto, há realmente muitas coisas em <strong>Deus</strong> ou<br />
que pertencem a <strong>Deus</strong>, que po<strong>de</strong>mos alcançar com a mente e exprimir em palavras, mais até, do que em<br />
qualquer outra coisa. Por isso, ele é s<strong>uma</strong>mente cognoscível e exprimível]. (Tradução livre nossa).<br />
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