O infinito e sua importância para o problema de Deus, uma ... - FaJe
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essência infinita, por <strong>de</strong>finição, exclui o engano. 50 Com efeito, tudo o que <strong>de</strong>riva <strong>de</strong><br />
<strong>Deus</strong> e <strong>de</strong> Sua liberda<strong>de</strong> não po<strong>de</strong> ser senão verda<strong>de</strong>iro e bom, já que o erro e o mal,<br />
sendo imperfeições, são como nada, não po<strong>de</strong>ndo, portanto, proce<strong>de</strong>r Dele. Não se trata,<br />
portanto, <strong>de</strong> <strong>uma</strong> limitação do <strong>infinito</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> e <strong>de</strong> Sua liberda<strong>de</strong> em função <strong>de</strong><br />
um melhor que já não se i<strong>de</strong>ntificasse com Sua própria essência enquanto onipotente.<br />
É evi<strong>de</strong>nte, portanto, que a argumentação cartesiana na Meditação Quarta, que<br />
aprofunda a própria compreensão da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>, tenta conciliar as duas tendências<br />
opostas, ou seja, o ponto <strong>de</strong> vista da perfeição, como expressão da inteligibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>Deus</strong> e <strong>de</strong> Sua obra, com o ponto <strong>de</strong> vista da infinitu<strong>de</strong> incompreensível, como<br />
expressão da onipotência da vonta<strong>de</strong> livre <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>. 51<br />
Essa conciliação não é possível a não ser admitindo que, embora a inteligência<br />
divina não preceda a Sua vonta<strong>de</strong>, esta também não prece<strong>de</strong> a inteligência, mas os dois<br />
atributos pertencem simultaneamente à Sua essência. 52 Certamente, o elemento<br />
fundamental do ser <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>, enquanto <strong>infinito</strong>, aquilo que constitui acima <strong>de</strong> tudo a Sua<br />
própria perfeição, é o Seu imenso po<strong>de</strong>r. Entretanto, a própria ação onipotente <strong>de</strong> <strong>Deus</strong><br />
50 A explicação da veracida<strong>de</strong> divina é <strong>de</strong>senvolvida a partir da concepção do ser e do nada, vejamos<br />
como Gueroult apresenta a questão: «Elle n’est plus seulement affirmée du <strong>de</strong>hors, en vertu d’un certain<br />
attribut <strong>de</strong> Dieu : la bonté, mais du <strong>de</strong>dans, par l’impossibilité pour l’être <strong>de</strong> n’être pas vrai, <strong>de</strong> causer<br />
autre chose que <strong>de</strong> l’être, et, par conséquent, d’engendrer l’erreur ou le non-vrai qui est non-être»<br />
(GUEROULT, Descartes selon l’ordre <strong>de</strong>s raisons, Livro I: L’âme et Dieu, 1975, p.316). [Ela ‘a veracida<strong>de</strong><br />
divina’ não é mais somente afirmada <strong>de</strong> fora, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> um certo atributo <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> : a bonda<strong>de</strong>, mas<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro, pela impossibilida<strong>de</strong> do ser <strong>de</strong> não ser verda<strong>de</strong>iro, <strong>de</strong> causar outra coisa além do ser, e, por<br />
conseguinte, <strong>de</strong> engendrar o erro ou não verda<strong>de</strong>iro que é não-ser]. (Tradução livre nossa).<br />
51 A tentativa <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r a incompreensibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> é que levou Scribano a afirmar que a<br />
Meditação IV <strong>de</strong>ve ser analisada como “hipotética” (SCRIBANO, Guia <strong>para</strong> leitura das Meditações<br />
Metafísicas <strong>de</strong> Descartes, 2007, p. 118 -121). Descartes não nega que <strong>Deus</strong> age segundo <strong>uma</strong> finalida<strong>de</strong>,<br />
mas se os fins <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> são incompreensíveis não tem fundamento perguntas do gênero: por que <strong>Deus</strong><br />
não criou o mundo sem o erro e sem o mal<br />
52 “ (…) bien que l’enten<strong>de</strong>ment ne précè<strong>de</strong> pas la volonté en Dieu, la volonté ne précè<strong>de</strong> pas non plus<br />
celui-ci, mais qu’ils sont l’un et l’autre simultanément en lui ” (GUEROULT, Descartes selon l’ordre <strong>de</strong>s<br />
raisons, livro I: L’âme et Dieu, 1975, p. 308). [(...) ainda que o entendimento não preceda a vonta<strong>de</strong> em<br />
<strong>Deus</strong>, a vonta<strong>de</strong> não prece<strong>de</strong> da mesma forma, este, mas eles estão um e outro simultaneamente nele<br />
‘<strong>Deus</strong>’]. (Tradução livre nossa).Ou ainda: “Mais nous ne nous les <strong>de</strong>vons point représenter, pour<br />
connaître l’immensité <strong>de</strong> sa puissance, ni concevoir aucune préférence ou priorité entre son<br />
enten<strong>de</strong>ment et sa volonté ; car l’idée que nous avons <strong>de</strong> Dieu nous apprend qu’il n’y a en lui qu’une<br />
seule action, toute simple et toute pure [...]” (Lettre a Mesland, 2 Mai 1644, AT IV, p.119, linhas 6-<br />
12).[Mas nós não <strong>de</strong>vemos representá-las [criaturas que necessitam <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>] <strong>para</strong> conhecer a<br />
imensidão <strong>de</strong> seu po<strong>de</strong>r, nem conceber nenh<strong>uma</strong> preferência ou priorida<strong>de</strong> entre seu entendimento e<br />
<strong>sua</strong> vonta<strong>de</strong>; pois a i<strong>de</strong>ia que temos <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> nos ensina que não há nele senão <strong>uma</strong> única ação,<br />
totalmente simples e totalmente pura (...). (Tradução livre nossa).<br />
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