O infinito e sua importância para o problema de Deus, uma ... - FaJe
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este segundo seria maior do que o primeiro - porque existir é mais perfeito que não<br />
existir. Estaríamos diante <strong>de</strong> <strong>uma</strong> contradição da própria <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>. 103<br />
Para Scribano, a terceira prova cartesiana se diferencia da anselmiana porque<br />
Descartes se baseia no caráter da i<strong>de</strong>ia inata <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>, e por isso seu conteúdo não po<strong>de</strong><br />
ser modificado - o que não teria sido feito pela prova <strong>de</strong> Anselmo. 104 Expondo <strong>de</strong> forma<br />
esquemática o que Scribano quis dizer, teríamos: da i<strong>de</strong>ia inata <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>→ à essência<br />
divina →à existência necessária <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>.<br />
Não é preciso que se imagine um triângulo, mas, <strong>uma</strong> vez consi<strong>de</strong>rada <strong>uma</strong><br />
figura retilínea composta somente <strong>de</strong> três ângulos, é absolutamente necessário extrair as<br />
proprieda<strong>de</strong>s inatas <strong>de</strong>ssa figura. Do mesmo modo, não é necessário que se pense em<br />
<strong>Deus</strong>, mas toda vez que se pense em <strong>Deus</strong> <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rada Sua essência que exige<br />
necessariamente o atributo existência. 105<br />
Há, todavia, outro <strong>problema</strong> a ser mencionado. As provas <strong>de</strong> Descartes têm por<br />
base a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>. Ou seja, temos acesso imediato às nossas i<strong>de</strong>ias. Ora, não se po<strong>de</strong><br />
afirmar a existência fora da mente do conteúdo inteligível <strong>de</strong> tais i<strong>de</strong>ias. Ou seja, a<br />
realida<strong>de</strong> objetiva das i<strong>de</strong>ias não implica necessariamente a <strong>sua</strong> realida<strong>de</strong> formal. Então,<br />
como pô<strong>de</strong> Descartes passar da i<strong>de</strong>ia da essência <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> à afirmação da Sua existência,<br />
<strong>uma</strong> vez que não temos acesso à essência divina, somente à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> <strong>Deus</strong><br />
A resposta do filósofo é simples. Dadas as nossas i<strong>de</strong>ias, cada <strong>uma</strong> com seu<br />
conteúdo objetivo, <strong>de</strong>ve-se examinar, em cada caso, se há razões <strong>para</strong> afirmar ou não a<br />
existência efetiva daquela realida<strong>de</strong>. A análise lógica da i<strong>de</strong>ia da essência <strong>de</strong> <strong>Deus</strong><br />
implica necessariamente a Sua existência. Com efeito, essa afirmação não será imediata,<br />
mas correspon<strong>de</strong> à conclusão <strong>de</strong> um raciocínio. Ao contrário da afirmação do cogito<br />
ergo sum, ou seja, a afirmação da existência da substância pensante, que, segundo a<br />
103 SCRIBANO, Guia <strong>para</strong> leitura das Meditações Metafísicas <strong>de</strong> Descartes, 2007, p.133.<br />
104 “O que falta no argumento <strong>de</strong> Anselmo e que, portanto, torna a prova anselmiana, ao contrário da<br />
cartesiana, vulnerável aos ataques tomistas é a teoria inatista, da qual <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> a valida<strong>de</strong> da prova da<br />
quinta Meditação” (SCRIBANO, Guia <strong>para</strong> leitura das Meditações Metafísicas <strong>de</strong> Descartes, 2007, p. 135).<br />
105 «Car il n’est pas en ma liberté <strong>de</strong> concevoir un Dieu sans existence (c’est-à-dire un être<br />
souverainement parfait sans une souveraine perfection), comme il m’est libre d’imaginer un cheval sans<br />
ailes ou avec <strong>de</strong>s ailes » (DESCARTES, Meditations, AT IX-1, p. 53). [Pois não está em minha liberda<strong>de</strong><br />
conceber um <strong>Deus</strong> sem existência (ou seja, um ser soberanamente perfeito sem <strong>uma</strong> soberana<br />
perfeição), como me é livre imaginar um cavalo sem asas ou com asas]. (Tradução livre nossa).<br />
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