O infinito e sua importância para o problema de Deus, uma ... - FaJe
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impe<strong>de</strong>, <strong>de</strong> modo algum, <strong>de</strong> conhecer que Ele é s<strong>uma</strong>mente perfeito e que tudo Nele<br />
resulta <strong>de</strong> tal perfeição. 46<br />
Mas não se estabelece com isso um conflito entre a perfeição <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> e a Sua<br />
incompreensibilida<strong>de</strong> Essas duas características da natureza divina são, sem dúvida,<br />
idênticas sob certo aspecto, enquanto <strong>Deus</strong> é incompreensível precisamente porque é<br />
s<strong>uma</strong>mente perfeito. Mas, por outro lado, a perfeição divina implica que, ao agir, Ele<br />
sempre faça o melhor ou mais perfeito, que, como tal, é <strong>de</strong>terminável em si mesmo,<br />
segundo critérios racionais que valem universalmente tanto <strong>para</strong> Ele como <strong>para</strong> nós.<br />
Destarte, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> agir segundo a norma do melhor limitaria a onipotência <strong>de</strong><br />
<strong>Deus</strong> e com isso a Sua incompreensibilida<strong>de</strong> e transcendência, levando-O a agir <strong>de</strong><br />
acordo com os mesmos princípios da razão h<strong>uma</strong>na. 47<br />
Essa linha <strong>de</strong> raciocínio reintroduziria imediatamente a noção <strong>de</strong> finalida<strong>de</strong>,<br />
postulando que <strong>Deus</strong>, em função <strong>de</strong> Sua perfeição, teria organizado o universo em vista<br />
da maior perfeição <strong>de</strong> seu conjunto, <strong>de</strong>terminando as partes em vista da perfeição do<br />
todo. Trata-se da solução tradicional, proposta por Agostinho, do <strong>problema</strong> do mal 48 .<br />
46 A diferença entre Descartes e Kant, observada por Gueroult, ajuda a compreen<strong>de</strong>r melhor o que<br />
acabamos <strong>de</strong> dizer, vejamos: “ Alors que, chez Kant, elle résulte immédiatement <strong>de</strong> la fonction <strong>de</strong> notre<br />
enten<strong>de</strong>ment comme condition formelle <strong>de</strong> la connaissance, et qu’il en découle l’impossibilité <strong>de</strong><br />
connaître l’essence <strong>de</strong> l’infini, chez Descartes, au contraire, elle résulte immédiatemente <strong>de</strong> notre<br />
connaissance <strong>de</strong> l’essence <strong>de</strong> l’infini, condition <strong>de</strong> la conaissance <strong>de</strong> notre finitu<strong>de</strong>, et intuition d’un être<br />
dont l’amplitu<strong>de</strong> est telle que mon intelligence aperçoit en le saisissant qu’elle ne peut l’embrasser»<br />
(GUEROULT, Descartes selon l’ordre <strong>de</strong>s raisons, livro I: L’âme et Dieu, 1975, p. 304). [Enquanto em Kant,<br />
ela ‘a limitação do conhecimento’ resulta imediatamente da função <strong>de</strong> nosso entendimento como<br />
condição formal do conhecimento, <strong>de</strong> modo que daí <strong>de</strong>corre a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecer a essência<br />
do <strong>infinito</strong>, em Descartes, ao contrário, ela resulta imediatamente <strong>de</strong> nosso conhecimento da essência<br />
do <strong>infinito</strong> [que é] condição do conhecimento <strong>de</strong> nossa finitu<strong>de</strong>, e intuição <strong>de</strong> um ser cuja amplitu<strong>de</strong> é<br />
tal que minha inteligência percebe ao captá-lo que ela não po<strong>de</strong> abarcá-lo]. (Tradução livre nossa).<br />
47 Neste parágrafo e nos seguintes <strong>de</strong>sta seção, seguimos <strong>de</strong> perto, embora não em <strong>de</strong>talhes, as análises<br />
<strong>de</strong> GUEROULT, Descartes selon l’ordre <strong>de</strong>s raisons, livro I: L’âme et Dieu , 1975, p. 305-319.<br />
48 Vejamos nas Confissões as palavras do próprio Agostinho: “Vi claramente que as coisas corruptíveis<br />
são boas. Não se po<strong>de</strong>riam corromper se fossem s<strong>uma</strong>mente boas, ou se não fossem boas. Se fossem<br />
absolutamente boas, não seriam corruptíveis. E se não fossem boas, nada haveria a corromper. A<br />
corrupção <strong>de</strong> fato é um mal, porém não seria nociva se não diminuísse um bem real. Portanto, ou a<br />
corrupção não é um mal, o que é impossível, ou – e isto é certo – tudo aquilo que se corrompe sofre<br />
<strong>uma</strong> diminuição <strong>de</strong> bem”. Portanto se são privadas <strong>de</strong> todo o bem <strong>de</strong>ixarão totalmente <strong>de</strong> existir. Logo,<br />
enquanto existem, são boas. Portanto, todas as coisas, pelo fato <strong>de</strong> existirem são boas. E aquele mal,<br />
cuja origem eu procurava, não é <strong>uma</strong> substância”. Ainda segundo Agostinho no item <strong>de</strong>nominado:<br />
Bonda<strong>de</strong> <strong>de</strong> todas as criaturas: Em ti ‘<strong>Deus</strong>’ o mal não existe <strong>de</strong> forma alg<strong>uma</strong>; e não só em ti, mas em<br />
quaisquer criaturas tomadas em <strong>sua</strong> universalida<strong>de</strong>. Porque, fora da tua criação, nada existe que possa<br />
invadir ou corromper a or<strong>de</strong>m por ti estabelecida. Todavia, entre essas criaturas, alg<strong>uma</strong>s partes existem<br />
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