O infinito e sua importância para o problema de Deus, uma ... - FaJe
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Esta afirmação parece <strong>para</strong>doxal, já que muitos seres h<strong>uma</strong>nos não têm i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
conhecer, por exemplo, o princípio <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong> ou a equivalência da soma dos<br />
ângulos internos <strong>de</strong> um triângulo a dois retos. Na verda<strong>de</strong>, o <strong>para</strong>doxo se <strong>de</strong>sfaz se se<br />
enten<strong>de</strong> que a presença das i<strong>de</strong>ias inatas na mente h<strong>uma</strong>na, como tal, é apenas implícita,<br />
segundo Descartes.<br />
A inteligência não é um <strong>de</strong>pósito <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias inatas, já prontas, por assim dizer. A tese<br />
das i<strong>de</strong>ias inatas significa tão-somente que a inteligência tem o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> explicitar e<br />
<strong>de</strong>senvolver, no seu próprio interior, i<strong>de</strong>ias não provenientes dos sentidos a partir <strong>de</strong><br />
conteúdos inteligíveis germinais nela implicitamente existentes. É o que <strong>de</strong>clara o<br />
próprio Descartes: “Enfim quando digo que alg<strong>uma</strong> i<strong>de</strong>ia nasce conosco ou que ela está<br />
naturalmente em nossas almas, eu não entendo que ela se apresente sempre a nosso<br />
pensamento, pois assim não haveria nenh<strong>uma</strong> [i<strong>de</strong>ia inata], mas somente que temos a<br />
faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> produzi-las”. 69<br />
Uma i<strong>de</strong>ia é inata quando, longe <strong>de</strong> provir dos sentidos, proce<strong>de</strong> exclusivamente da<br />
inteligência, enquanto predisposta a concebê-la. A inteligência certamente não cria tais<br />
i<strong>de</strong>ias, mas ela expressa seu conteúdo inteligível em novos conceitos. Portanto,<br />
enquanto as i<strong>de</strong>ias inatas se i<strong>de</strong>ntificam com nossa própria faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensar, <strong>sua</strong><br />
conceitualização não é senão o <strong>de</strong>sdobramento do conteúdo da experiência <strong>de</strong> nosso<br />
próprio espírito: “(...) o espírito ao conceber se volta <strong>de</strong> certo modo sobre si mesmo e<br />
consi<strong>de</strong>ra alg<strong>uma</strong> das i<strong>de</strong>ias que tem em si”. 70<br />
Tendo explicitado os traços fundamentais da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>, enquanto <strong>infinito</strong>,<br />
inerente ao espírito h<strong>uma</strong>no, resta saber em que consiste propriamente o caráter inato<br />
<strong>de</strong>sta i<strong>de</strong>ia.<br />
il ne les acquiert point par après avec l’âge (DESCARTES, Lettre a Morus, 05 Février 1649, in Oeuvres<br />
Philosophiques, Tomo III, 1973, p. 882). [(...) o espírito não tem menos em si as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>, <strong>de</strong> si<br />
mesmo e <strong>de</strong> todas essas verda<strong>de</strong>s que por si só são conhecidas, que as pessoas adultas as têm mesmo<br />
quando elas não lhes prestam atenção: pois ele não as adquire com a ida<strong>de</strong>]. (Tradução livre nossa).<br />
69 Réponse à la 10 ème Objection, AT IX-1 p. 147. «Enfin, lorsque je dis que quelque idée est née avec<br />
nous, ou qu’elle est naturellement empreinte en nos âmes, je n’entends pas qu’elle se présente toujours<br />
à notre pensée, car ainsi il n’y en aurait aucune; mais seulement que nous avons la faculté <strong>de</strong> les<br />
produire». (Tradução livre nossa).<br />
70 “(...) l’esprit en concevant se tourne en quelque façon vers soi-même, et considère quelqu’une <strong>de</strong>s<br />
idées qu’il a en soi(...)” (DESCARTES, Meditations, AT IX-1, p. 58). (Tradução livre nossa.)<br />
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