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tese - vanda do vale arantes - ufmg - Biblioteca Digital de Teses e ...

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transgressor da jovem, a relutância em se comprometer, os trajes, os passeios, os diálogos, etc. A<br />

jovem suicida-se no Rio. Transcrevemos fragmento <strong>do</strong> texto em que o jovem médico narra seu<br />

sofrimento em razão <strong>de</strong>ssa perda:<br />

111<br />

O médico numa tonteira ouvia toda aquela história. Tomou a mão que a prima<br />

da noiva (noiva?) lhe estendia, beijou-a, quis falar qualquer coisa mas estava<br />

literalmente mu<strong>do</strong>, goelas engasgadas por garrote <strong>de</strong> ferro. Saiu aos trancos-ebarrancos<br />

como um bêba<strong>do</strong>. E nunca mais reencontrar-se-ia com os Bleuer.<br />

Correu pra casa e fechou-se no quarto. Os primos respeitaram seu isolamento.<br />

Só a prima Diva entrava para levar-lhe os alimentos e mudar a moringa d´água<br />

fresca. Começou para ele um perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> vida miserável. Não queria ver<br />

ninguém, tinha horror <strong>de</strong> conversar com quem quer que fosse e para po<strong>de</strong>r ficar<br />

nessa solidão, trocava seus dias pela noite. Quan<strong>do</strong> <strong>do</strong>rmia era ao clarear <strong>do</strong> dia,<br />

hora em que entrava em casa com to<strong>do</strong>s ainda <strong>de</strong>ita<strong>do</strong>s. Fazia seu café, comia<br />

com ele um pedaço <strong>de</strong> pão <strong>de</strong> véspera, trancava-se, ia para a cama. Se podia,<br />

<strong>do</strong>rmia; se não, ia trabalhar numa longa carta que vinha preparan<strong>do</strong><br />

laboriosamente para seu amigo irmão Joaquim Nunes Coutinho Cavalcanti que<br />

lá andava na sua luta <strong>de</strong> médico, opera<strong>do</strong>r e parteiro <strong>do</strong> interior paulista no<br />

distrito <strong>de</strong> Engenheiro Schmidt, em São José <strong>do</strong> Rio Preto. Às vezes <strong>do</strong>rmia<br />

profundamente, <strong>de</strong> outras cochilava mal que mal, entremean<strong>do</strong> sono e pesa<strong>de</strong>los<br />

que o acordavam. Andava pelas ruas noite inteira e tinha mais ou menos sempre<br />

o mesmo itinerário. (...) Ninguém. Só ele e seu inseparável fantasma. Fechava os<br />

olhos para rever uma por uma suas perfeições, chorava e rangia os <strong>de</strong>ntes ou<br />

esmurrava a pedra fria <strong>do</strong> seu assento até fazer-se mal às mãos diante <strong>do</strong><br />

inelutável, <strong>do</strong> inexplicável e <strong>do</strong> absur<strong>do</strong> daquele trespasse. (...) Parava para<br />

procurar o lugar possível on<strong>de</strong> eles tinham toca<strong>do</strong>. Tinha vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> baixar-se e<br />

beijar aquelas pedras com o mesmo ímpeto com que um dia faria em Jerusalém<br />

sobre a vera pedra on<strong>de</strong> tinham esta<strong>do</strong> os pés <strong>de</strong> seu Salva<strong>do</strong>r à hora <strong>do</strong>s ultrajes<br />

e <strong>do</strong>s escárnios. E quan<strong>do</strong> ele fizera isto anos e anos <strong>de</strong>pois, a imagem da Lenora<br />

passara-lhe pela mente – <strong>de</strong> raspão. É que ele estava se lembran<strong>do</strong> das paixões e<br />

das mortes que sofrera naquele fim <strong>de</strong> maio e princípio <strong>de</strong> junho nas pedras<br />

duma João Pinheiro transformada na sua Via Dolorosa <strong>de</strong> Belo Horizonte. 189<br />

(...) Os fatos narra<strong>do</strong>s aqui passaram-se em 1930 e 1931. Só em 1977 por<br />

intermédio <strong>de</strong> um primo <strong>de</strong> Lenora o Egon foi informa<strong>do</strong> <strong>de</strong> que quan<strong>do</strong> ela<br />

tinha se mata<strong>do</strong> já estava con<strong>de</strong>nada. Ia viver só mais uns poucos meses pois<br />

fora-lhe diagnosticada uma leucemia. Essa revelação renovou a velha ferida <strong>do</strong><br />

Egon e ele ressofreu a morte da pobre moça como se ela tivesse si<strong>do</strong> cominada<br />

mais uma vez. Sua família e ela sabiam da <strong>do</strong>ença e <strong>do</strong> prognóstico e o médico<br />

pa<strong>de</strong>ceu <strong>de</strong> novo e pa<strong>de</strong>ce ainda quan<strong>do</strong> se lembra da rainha: Infandum regina...<br />

Tu<strong>do</strong> que ele achara estranho na família sempre sumida, nas bizarrices <strong>do</strong><br />

comportamento da moça – era a consciência <strong>de</strong> que havia ali uma con<strong>de</strong>nada à<br />

morte que levou sua vida aos limites da conservação <strong>de</strong> sua imagem <strong>de</strong><br />

juventu<strong>de</strong> po<strong>de</strong>rosa. Quan<strong>do</strong> viu que a moléstia ia <strong>de</strong>sfigurá-la, aviltar-lhe o<br />

189 NAVA, Pedro. O círio perfeito: memórias 6. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Nova Fronteira, 1983. p. 97-99.

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