a sociedade portuguesa da segunda metade do século xviii
a sociedade portuguesa da segunda metade do século xviii
a sociedade portuguesa da segunda metade do século xviii
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
comédia se estabelecesse como um meio mais útil para se fazer conjecturas<br />
sobre <strong>socie<strong>da</strong>de</strong>s <strong>do</strong> Antigo Regime.<br />
3.4 As estruturas <strong>da</strong> dádiva e <strong>da</strong> hierarquia como retrata<strong>do</strong> na amostra<br />
de entremezes e peças teatrais<br />
Para que se torne possível analisar as estruturas propostas como se<br />
estabeleciam nas peças, foi seleciona<strong>do</strong> uma amostra de peças <strong>portuguesa</strong>s<br />
<strong>da</strong> segun<strong>da</strong> <strong>metade</strong> <strong>do</strong> <strong>século</strong> XVIII, bem como uma traduzi<strong>da</strong>, de<br />
principalmente entremezes. As peças foram seleciona<strong>da</strong>s de forma aleatória,<br />
que tratam de temas diversos, mas quase to<strong>da</strong>s li<strong>da</strong>m com um ambiente<br />
familiar, pois como já foi discuti<strong>do</strong>, as relações de <strong>do</strong>minação eram basea<strong>da</strong>s<br />
na estrutura familiar. Além disso este ambiente era onde o público tinha mais<br />
familiari<strong>da</strong>de e por isso o enre<strong>do</strong> podia ser mais espontâneo, e portanto,<br />
revela<strong>do</strong>r <strong>da</strong>s características <strong>da</strong> <strong>socie<strong>da</strong>de</strong> em questão.<br />
Podemos perceber uma relação entre cria<strong>do</strong> e patrão logo no início <strong>do</strong><br />
entremez Os amantes arrufa<strong>do</strong>s, de Antonio Gomes. Dois personagens,<br />
Felisberto, o patrão, e Marotinho, seu cria<strong>do</strong>, 192 conversam sobre o interesse<br />
amoroso de Felisberto em Dorina, uma lacaia. 193 Esta ignora o assédio de seu<br />
pretendente e vai se aconselhar com sua patroa, Nize, que o acusa de ser falso<br />
e man<strong>da</strong> sua cria<strong>da</strong> ignorá-lo. O cria<strong>do</strong> de Felisberto tem participação ativa nas<br />
ações de seu patrão, mas não exerce poder direto sobre ele, como se fosse<br />
sua consciência, mas também é artífice <strong>da</strong> vontade de seu patrão, agin<strong>do</strong> nos<br />
basti<strong>do</strong>res:<br />
Felisb. Porque <strong>do</strong> meu amor não sente a seta?<br />
Mar. Porque Omnis variato dilecta.<br />
Felisb. E não dá para isso causa alguma?<br />
Mar. Não o quer acreditar? Não dá nenhuma.<br />
Felisb. Visto isso ficar posso sciente que na<strong>da</strong> quer comigo?<br />
Mar. Certamente. Fora, já são três vezes que repito que certamente<br />
disse; e tenho dito.<br />
Felisb. Esta ancia Marotinho, me devora.<br />
Mar. Não vomites aqui, vai alli fora.<br />
Felisb. Estou capaz.<br />
192<br />
Vemos aqui um caso comum no entremez, o personagem subalterno não possuía um nome, mas um<br />
“apeli<strong>do</strong>”.<br />
193<br />
Lacaia era uma cria<strong>da</strong> astuta. Isto levaria a pensar que as relações amorosas, como retrata<strong>do</strong> nos<br />
entremezes, não eram restritas à mesmas classes sociais. Porém, ao se ler o desfecho destes entremezes,<br />
se nota uma reali<strong>da</strong>de diferente.<br />
53