a sociedade portuguesa da segunda metade do século xviii
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A situação teatral de <strong>do</strong>is amantes precisarem convencer o pai <strong>da</strong> moça<br />
a aceitar o relacionamento <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is, ten<strong>do</strong> que driblar a submissão <strong>da</strong>s<br />
relações hierárquicas através de artífices, está presente em vários entremezes<br />
<strong>da</strong> amostra. Além <strong>do</strong>s já cita<strong>do</strong>s, esta situação aparece também em A noiva<br />
fingi<strong>da</strong>, de José de Aquino Bulhoens, O casamento gostoso, de Caetano<br />
Ferreira <strong>da</strong> Costa, O bruxo por arte e o tutor desengana<strong>do</strong>, de Simão Tadeu<br />
Ferreira. A astúcia <strong>da</strong>s cria<strong>da</strong>s, de Francisco Borges de Sousa, Casamento por<br />
nova idéia, <strong>do</strong> mesmo autor, Os amantes desconfia<strong>do</strong>s, de Francisco Sabino<br />
<strong>do</strong>s Santos, e A astuciosa idéia <strong>do</strong> cria<strong>do</strong>, de Felipe José de França e Liz.<br />
Outro detalhe importante percebi<strong>do</strong> nas peças são os artífices usa<strong>do</strong>s<br />
pelos indivíduos hierarquicamente superiores fazer valer sua autori<strong>da</strong>de. Um<br />
deles é a chantagem emocional, que pode ser percebi<strong>do</strong> no entremez A<br />
astuciosa idéia <strong>do</strong> cria<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> o personagem Flávio, estan<strong>do</strong> zanga<strong>do</strong> com<br />
a desobediência de sua filha, diz “Ai que morro, ai que rebento ? O meu crédito<br />
arraina<strong>do</strong>. Ah filha ingrata.” 198 Este detalhe pode ser visto também nos<br />
entremezes Casquilharia por força e A bulha <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> com a mulher por<br />
cantar a ratazana, ambos de Domingos Gonçalves.<br />
Em A bulha <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> com a mulher por cantar a ratazana vemos um<br />
enre<strong>do</strong> (e um desfecho) que demonstra bem a intenção <strong>do</strong>s autores de<br />
entremezes de demonstrar os bons costumes e a importância <strong>do</strong>s indivíduos<br />
hierarquicamente superiores em zelar por eles. A história deste entremez<br />
envolve uma mulher queren<strong>do</strong> cantar a “ratazana” que parece ser um tipo de<br />
canto <strong>da</strong> mo<strong>da</strong> <strong>da</strong> época. O personagem <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>, 199 Pantalão, o ser<br />
hierárquico superior, se opõe ao desejo de sua mulher, Peripatética. No<br />
desfecho, a mulher “aprende a lição”, e jura nunca mais fazer algo semelhante.<br />
To<strong>do</strong>s os personagens concor<strong>da</strong>m sobre a sabe<strong>do</strong>ria <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> e filosofam<br />
sobre as vantagens de evitar as “desordens”. O desfecho se dá após uma<br />
discussão entre o mari<strong>do</strong> e sua mulher, pois ela reivindica uma liber<strong>da</strong>de maior<br />
por ter instrução, e ele tenta fazer valer a sua autori<strong>da</strong>de sobre ela:<br />
Pant. Que <strong>do</strong>utora, que baxarella, não senhora não me ofende mas<br />
não quero, posso man<strong>da</strong>llo e V. m. deve-me obedecer, para isso sou<br />
seu mari<strong>do</strong>, e <strong>do</strong>no desta caza, tem-me entendi<strong>do</strong> ?<br />
198 LIZ, F. J. F. A astuciosa idéia <strong>do</strong> cria<strong>do</strong>. Lisboa. 1790. p. 15<br />
199 Descrito no entremez como “velho”. Quan<strong>do</strong> aparecia alguém em uma peça com esta descrição, ele<br />
tendia a se opor ao moderno, como foi discuti<strong>do</strong> por Maria Antónia Lopes.<br />
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