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a sociedade portuguesa da segunda metade do século xviii

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Perip. Eu não sou sua escrava, quero divertir-me, quero cantar. 200<br />

Como se percebe neste entremez, o fato <strong>da</strong> personagem subordina<strong>da</strong><br />

ter instrução ou de reivindicar maior liber<strong>da</strong>de não significam na<strong>da</strong>, e no fim ela<br />

acaba por ter de aceitar sua submissão. Os <strong>do</strong>is personagens cria<strong>do</strong>s deste<br />

entremez simpatizam com a sua patroa, comentan<strong>do</strong> que ela é uma “pobre<br />

infeliz”, mas um <strong>do</strong>s cria<strong>do</strong>s demonstra maior interesse por recompensas, e por<br />

isso denuncia ao velho mari<strong>do</strong> o que sua esposa an<strong>da</strong>va fazen<strong>do</strong>, em troca de<br />

algumas regalias. Isto revela que, ao menos nas peças teatrais, o cria<strong>do</strong>,<br />

apesar de possuir consciência própria, não a demonstrava nas relações com<br />

seu patrão, e o que o motivava a realizar a vontade deste, mesmo não<br />

concor<strong>da</strong>n<strong>do</strong> com seu ponto de vista, era a possibili<strong>da</strong>de de receber<br />

recompensa pelos seus serviços. Mais uma vez deve ser lembra<strong>do</strong> que as<br />

relações interpessoais entre indivíduos de nível hierárquico diferente, em<br />

<strong>socie<strong>da</strong>de</strong>s <strong>do</strong> Antigo Regime, eram basea<strong>da</strong>s na troca de serviços e de<br />

dádivas.<br />

Se o indivíduo hierarquicamente superior devia ser estima<strong>do</strong> e<br />

respeita<strong>do</strong> pelos outros, ele devia se mostrar digno de sua posição, não se<br />

engajan<strong>do</strong> em condutas comportamentais reprováveis, ou perderia a<br />

deferência <strong>do</strong>s seus subordina<strong>do</strong>s. Isto é o que mostra o entremez O velho<br />

louco de amor e a cria<strong>da</strong> astuciosa, de Francisco Borges de Sousa. Nele, o<br />

personagem Octávio está apaixona<strong>do</strong> por sua cria<strong>da</strong> Angélica, e quer casar<br />

com ela. Este tipo de mistura entre duas classes sociais era reprovável na<br />

<strong>socie<strong>da</strong>de</strong> <strong>portuguesa</strong> <strong>do</strong> Antigo Regime, e por isso os outros personagens<br />

armam um esquema e contrariam abertamente a vontade de Octávio. Angélica,<br />

ciente de sua posição social, não almeja casar-se com ele, mas sim com<br />

Maturino, um cria<strong>do</strong> como ela, mas finge aceitar a proposta <strong>do</strong> patrão, exigin<strong>do</strong><br />

algumas regalias, entre as quais ela aproveita para pedir que ele deixe as duas<br />

filhas dele se casarem com os mari<strong>do</strong>s que escolhessem (isto era a trama<br />

secundária <strong>do</strong> entremez, mais um típico caso de um cria<strong>do</strong> aju<strong>da</strong>n<strong>do</strong> o filho de<br />

seu patrão a driblar a vontade de seu pai). Octávio tenta fazer chantagem,<br />

lembran<strong>do</strong> as coisas que deu à Angélica, mas por fim acaba reconhecen<strong>do</strong> seu<br />

200 GONÇALVES, Domingos. A bulha <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> com a mulher por cantar a ratazana. Lisboa. 1785. ps.<br />

11-12.<br />

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