19.05.2013 Views

a sociedade portuguesa da segunda metade do século xviii

a sociedade portuguesa da segunda metade do século xviii

a sociedade portuguesa da segunda metade do século xviii

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Mar. De que? Falla depressa.<br />

Felisb. Pregar à tal senhora huma tal pessa.<br />

Mar. Bem que de artelharia a pessa seja, depois <strong>do</strong> variatio já<br />

sobeja. Mas que pessa lhe queres tu pregar?<br />

Felisb. Buscar a outra ma<strong>da</strong>me, a quem amar.<br />

Mar. Se ella já te deixou, pessa escuza<strong>da</strong>; Pois quem deixa, não o<br />

sente ser deixa<strong>da</strong>.<br />

Felisb. Como te enganas, sempre o amor primeiro, deixa o coração<br />

hum formigueiro.<br />

Mar. Mas se <strong>do</strong> esquecimento chega o fogo, ao velho formigueiro<br />

mata o novo. E dizes a quem pertendes namorar?<br />

Felisb. Não conheces Ma<strong>da</strong>me Rebaltar?<br />

Mar. Essa he, se a idea não engana, aquela <strong>da</strong>nçarina italiana<br />

bonitinha, magrinha, e hum tanto alta que affim debaixo para cima<br />

falta.<br />

Felisb. He essa mesma: vai-lhe tu fallar; E este bilhete faze por lhe<br />

<strong>da</strong>r. 194<br />

A “peça” que Felisberto e seu cria<strong>do</strong> pregam em Dorina levam os <strong>do</strong>is a<br />

terem uma briga e uma troca de acusações com ela e sua ama, e Marotinho<br />

acaba se interessan<strong>do</strong> por Dorina. O entremez termina com a união entre os<br />

<strong>do</strong>is patrões e os <strong>do</strong>is cria<strong>do</strong>s. “Cazem-se os amos, cazem-se os cria<strong>do</strong>s”. 195<br />

Este entremez mostra claramente relações de hierarquia e de dádiva. O<br />

primeiro conceito está relaciona<strong>do</strong> a forma de que os personagens se<br />

relacionam: cria<strong>do</strong>s sen<strong>do</strong> confidentes e ao mesmo tempo submissos aos seus<br />

patrões e laços amorosos estan<strong>do</strong> restritos à indivíduos de mesma classe<br />

social, mesmo que no enre<strong>do</strong> houvesse, inicialmente, um desejo de não seguir<br />

esta regra. A respeito <strong>da</strong> dádiva, esta está presente no “prêmio” recebi<strong>do</strong> pelo<br />

cria<strong>do</strong>, por ter cumpri<strong>do</strong> a vontade <strong>do</strong> patrão, o amor <strong>da</strong> cria<strong>da</strong>. Em nenhum<br />

momento, no entremez, o subalterno indica a seu superior o desejo de receber<br />

recompensa, mas isto parece estar implícito nas relações sociais entre<br />

indivíduos <strong>do</strong> Antigo Regime. O cria<strong>do</strong> espera receber uma gratificação sem<br />

que isto precise ser indica<strong>do</strong> pelo seu amo.<br />

Se o cria<strong>do</strong> não via nenhum ganho próprio em alguma ação solicita<strong>da</strong><br />

por seu patrão, ele se recusava a cumprir tarefas que lhe fossem designa<strong>da</strong>s,<br />

ou até se disponibilizava a aju<strong>da</strong>r alguém em que fosse possível o recebimento<br />

de uma recompensa. Isto aparece nos entremezes Peraltice vai<strong>do</strong>sa, de<br />

Antonio Gomes, e O castigo <strong>da</strong> ambição, de José <strong>da</strong> Silva Nazaré. Não é a<br />

leal<strong>da</strong>de cega que motiva o cria<strong>do</strong>, mas sim a possibili<strong>da</strong>de <strong>do</strong> recebimento de<br />

194 GOMES, A. Os amantes arrufa<strong>do</strong>s. Lisboa. 17??. ps. 2-3<br />

195 Ibidem. p. 16<br />

54

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!