a sociedade portuguesa da segunda metade do século xviii
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Os autores que discorreram sobre as estruturas <strong>da</strong> <strong>socie<strong>da</strong>de</strong> <strong>do</strong> Antigo<br />
Regime mencionaram a cumplici<strong>da</strong>de e a expectativa que se <strong>da</strong>va nas relações<br />
entre patrões e cria<strong>do</strong>s, mas com os entremezes, onde estes tipos de relações<br />
eram retrata<strong>do</strong>s com grande frequência, se tornou possível observar como elas<br />
se desenrolavam na prática. Percebe-se que tu<strong>do</strong> o que o cria<strong>do</strong> fazia<br />
dependia <strong>da</strong> expectativa de recebimento de uma dádiva. Ele tinha<br />
personali<strong>da</strong>de e consciência própria, mas agia conforme seu patrão<br />
requisitava, em troca de uma gratificação.<br />
Ao contrário <strong>do</strong> que Lopes afirmou, não se nota que o personagem <strong>do</strong><br />
cria<strong>do</strong> apresentava um pensamento retrógra<strong>do</strong> nas peças. De fato, ele não<br />
concor<strong>da</strong>va com a mentali<strong>da</strong>de de seu patrão, caso fosse retrógra<strong>da</strong>, agiria de<br />
qualquer forma, de acor<strong>do</strong> com a “moderni<strong>da</strong>de” ou contra, desde que lhe<br />
fosse garanti<strong>da</strong> uma recompensa.<br />
A questão <strong>da</strong> hierarquia e a dádiva estavam presentes em praticamente<br />
to<strong>da</strong>s as interações sociais <strong>da</strong> <strong>socie<strong>da</strong>de</strong> <strong>do</strong> Antigo Regime, segun<strong>do</strong> a<br />
pesquisa demonstrou. Sen<strong>do</strong> uma “<strong>socie<strong>da</strong>de</strong> de representações”, tu<strong>do</strong> o que<br />
envolvia um relacionamento entre indivíduos levava em conta a posição social,<br />
o direito a privilégios e a expectativa de se estabelecer uma relação de troca.<br />
Quan<strong>do</strong> não havia uma superiori<strong>da</strong>de social explícita de um indivíduo diante de<br />
outro, mesmo assim gerava-se uma discussão sobre quem teria uma<br />
prevalência na interação entre eles.<br />
O fato de que a grande maioria <strong>da</strong>s peças de teatro <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> li<strong>da</strong> com<br />
situações familiares confirmam que de fato, as relações de <strong>do</strong>minação <strong>da</strong><br />
<strong>socie<strong>da</strong>de</strong> <strong>do</strong> Antigo Regime tinham base no sistema de hierarquia familiar.<br />
Estes tipos de relações eram entre pais-filhos e entre mari<strong>do</strong>s-esposas, as<br />
peças revelam que se esperava uma absoluta submissão por parte <strong>do</strong>s filhos e<br />
esposas aos seus pais e mari<strong>do</strong>s. Denota-se <strong>da</strong>s peças o fato de como esta<br />
estrutura hierárquica não era bem aceita e como era contesta<strong>da</strong>, mas, ten<strong>do</strong><br />
conteú<strong>do</strong> idealiza<strong>do</strong>, as peças sempre apresentavam alguma contestação<br />
desta estrutura como rebelde e nociva para o funcionamento <strong>do</strong> núcleo familiar,<br />
e frequentemente mostravam em seus desfechos arrependimentos por parte<br />
<strong>do</strong>s “rebeldes” e evidenciavam as vantagens de manter o sistema hierárquico<br />
intacto. A subversão <strong>da</strong> estrutura hierárquica, como retrata<strong>da</strong> na amostra de<br />
peças, era considera<strong>da</strong> uma quebra <strong>do</strong> sistema de trocas entre<br />
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