Marques. A função autor e a crônica esportiva no Brasil: representações da Copa do Mundo em alguns jornais paulistas e cariocas.conhecidos do grande público (como Carlos Heitor Cony, Luis FernandoVerissimo, João Ubaldo Ribeiro, Mario Prata, Paulo Coelho, Nelson Motta).3) Grupo 3: formado por jornalistas de outras editorias do próprio jornal, comoEconomia, Política etc., incluindo-se aqui os chargistas e colunistas de humor.4) Grupo 4: formado por personalidades alheias à prática jornalística; é ocaso de celebridades da política, do esporte (jogadores, ex-atletas, técnicos,juízes) ou do mundo artístico (cantores, atores, diretores de teatro, publicitários,modelos).À exceção do primeiro grupo, que já trabalha ordinariamente com oesporte nas páginas dos jornais, os outros três grupos são formados por personalidadesconvocadas extraordinariamente para comentar as Copas do Mundode quatro em quatro anos. É essa presença maciça de textos assinados pelas“celebridades” e pelos escritores que pode ser enquadrada naquele fenômenoque o filósofo francês Michel Foucault (1992) procurou nomear como “funçãoautor”, ou seja, aquela função que se estabelece pela existência, circulação efuncionamento de alguns discursos no seio de determinado público. O discursode um escritor, filósofo ou jornalista atingirá o status da “função autor” seconseguir ser recebido de maneira especial pelo seu público, alcançando, emdeterminados lugares, um estatuto que o singulariza. O autor define-se, paraFoucault, como um campo de coerência teórica ou conceitual, e mantém umaunidade de escrita que, mesmo nas diferenças que provoca, faz-se entendercomo evolução de seu ato criador.Na Idade Média, os textos técnicos, médicos, matemáticos e científicos,de modo geral, eram aceitos apenas quando traziam o nome de seu autor. Aliteratura, no entanto, formava-se e era posta em circulação por meio de escritoresanônimos. A partir do século XVIII, houve uma inversão no modo derecepção desses textos, conforme demonstra Foucault: os discursos científicospassaram a ser aceitos desde que pertencentes a um conjunto sistemático e coletivode pesquisa, que lhes assegurasse a validade junto a seu respectivo meio.Os discursos ditos literários, por outro lado, já não podiam ser mais validadosse não contivessem a “função autor” (o anonimato literário passou a não sermais suportável):Em suma, o nome de autor serve para caracterizar um certo modo de ser do discurso:para um discurso, ter um nome de autor, o facto de se poder dizer ‘isto foi escritopor fulano’ ou ‘tal indivíduo é o autor’, indica que esse discurso não é um discursoquotidiano, indiferente, um discurso flutuante e passageiro, imediatamente consumível,mas que se trata de um discurso que deve ser recebido de certa maneira e deve, numadeterminada cultura, receber um certo estatuto.(FOUCAULT, 1992, 45)O próprio Foucault, aliás, voltaria ao tema em outro texto (A ordem dodiscurso), explicitando as particularidades da função autor na modernidade:Desde o século XVII, esta função não cessou de se enfraquecer no discurso científico:o autor só funciona para dar um nome a um teorema, um efeito, um exemplo,uma síndrome. Em contrapartida, na ordem do discurso literário, e a partir daLOGOS <strong>33</strong>Comunicação e Esporte. Vol.17, Nº02, 2º semestre 201041
Marques. A função autor e a crônica esportiva no Brasil: representações da Copa do Mundo em alguns jornais paulistas e cariocas.mesma época, a função do autor não cessou de se reforçar: todas as narrativas, todosos poemas, todos os dramas ou comédias que se deixava circular na Idade Médiano anonimato ao menos relativo, eis que, agora, se lhes pergunta (e exigem querespondam) de onde vêm, quem os escreveu; pede-se que o autor preste contas daunidade de texto posta sob seu nome; pede-se-lhe que revele, ou ao menos sustente, osentido oculto que os atravessa; pede-se-lhe que os articule com sua vida pessoal e suasexperiências vividas, com a história real que os viu nascer. O autor é aquele que dáà inquietante linguagem da ficção suas unidades, seus nós de coerência, sua inserçãono real. (FOUCAULT, 1996, 27-28)Alguns autores teriam ainda a particularidade de não ser apenas os criadoresde suas obras, mas de formular também a regra de formação de outros textos.Seriam, neste caso, “fundadores de discursividade” e criadores de uma “tipologiados discursos”, para usar uma terminologia de Mikhail Bakhtin. NelsonRodrigues, cujas crônicas esportivas foram lançadas em livro pela EditoraCompanhia das Letras justamente antes da Copa do Mundo de 1994 1 , representaum desses fundadores de discursividade, já que nenhum outro jornalistaesportivo passou a ser tão citado e recolhido intertextualmente como ele:Nelson Rodrigues sempre disse que sem paixão é impossível até chupar um Chicabom.E quem há de contestá-lo? Algum jornalista esportivo que pretenda a absoluta isençãodiante dos fatos que envolvem a maior paixão de todos os brasileiros vivos ou mortos?(Nelson Motta, O Globo, 15/07/94).A importância disso, como diz Foucault, está na premência de uma análisehistórica dos discursos, ou seja, na necessidade de se estudar os discursosnão somente pelo seu valor de expressão ou pelas transformações formais queele opera, mas sim nas modalidades de sua ocorrência: como ele circula e se valoriza,como os discursos variam com cada cultura e se modificam no interiorde cada uma etc. Já o semiólogo e estruturalista Roland Barthes, ao formulara relação entre autor-leitor sob uma ótica diferente da que vimos na “funçãode autor” de Michel Foucault, procura negar a importância das condições biográficase pessoais do falante no entendimento da obra literária, mas reafirmaa importância da autoria:Como instituição, o autor está morto: sua pessoa civil, passional, biográfica, desapareceu;desapossada, já não exerce sobre a obra a formi dável paternidade que a histórialiterária, o ensino, a opinião tinham o en cargo de estabelecer e de renovar a narrativa:mas no texto, de certa ma nei ra, eu desejo o autor: tenho necessidade de sua figura (quenão é nem sua representação nem sua projeção), tal como ele tem necessidade da minha.(BARTHES, 2002, 35)Os cronistas e colunistas também acabam sendo os responsáveis poroperar uma “construção social de dois níveis”, expressão utilizada pelo filósofofrancês Pierre Bourdieu (1997) a respeito das competições esportivas dostempos de hoje. Para Bourdieu, o atleta e sua performance fazem parte deum espetáculo que é produzido duas vezes: numa primeira instância, temos aprodução operada pelos agentes esportivos strictu sensu, ou seja, todos aquelesindivíduos que estão diretamente envolvidos na realização e condução do jogoLOGOS <strong>33</strong>Comunicação e Esporte. Vol.17, Nº02, 2º semestre 201042
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