Costa. Futebol folhetinizado. A imprensa esportiva e os recursos narrativos usados na construção da notícia.da pele” (2005, 139) e que fez imenso sucesso no final do século XVIII, naFrança, deixando herdeiros em outras instâncias, inclusive no jornalismo. IveteHuppes apontou a contiguidade existente entre os noticiários da imprensa e omelodrama: ambos investem no apelo aos sentidos e às emoções do públicoreceptor, ao darem total preferência aos acontecimentos de impacto, ricamentedescritos e teatralizados (2000,151). O melodrama é a matriz do folhetim queno século XIX foi um instrumento eficaz na transformação do jornal em veículode massa. 1 Nascido na França, inicialmente, folhetim era o nome dado aum espaço físico do jornal, mais especificamente o rodapé, local que abrigavapiadas, charadas, receitas de comida, de beleza, assim como críticas de peçasde teatro e pequenos textos ficcionais. Como bem apontou Marlyse Meyer,o folhetim “tinha uma finalidade precisa: era um espaço vazio destinado aoentretenimento” (2006, 57). Por volta de 1836, histórias ficcionais em formade capítulos passaram a ser publicadas nos folhetins, transformando-se rapidamenteem uma febre de vendagem. 2 São os romance-folhetim, ou simplesmentefolhetins, 3 feitos para atrair público em grande número, através de históriasrecheadas de aventuras, paixões, drama, pequenas tragédias, enfim temas capazesde fomentar a imaginação, a curiosidade e as expectativas no leitor.Esse tipo de linguagem, característico do folhetim, com o tempo passoua não ficar restrito a um espaço determinado e foi sendo incorporado comoimportante ferramenta de formulação de notícias, transformando-se em “umatécnica mercadológica” (LANZA, 2004, 317). Os fait divers 4são um ótimoexemplo desse fenômeno, pois nele fatos do cotidiano são narrativizados demodo a fisgar “o receptor pelos tentáculos da emoção” (RAMOS, 124, 2001).Foi estudando os fait divers que Michel Giller cunhou o termo “folhetinizaçãoda informação” para denominar um tipo de informação “que já não separa opúblico do privado (...) Uma informação que apazigua e suscita a curiosidadede um público para quem o ‘excesso’ visceral do melodrama sempre foi ‘natural”(apud MEYER, 1996, 224). Esse processo ganha força na medida emque as exigências de ampliação do público leitor e consumidor dos jornais setornam imperativas. 5Folhetinizar a notícia ou a informação significa contarfatos do cotidiano provilegiando aspectos como:o exagero nas expressões de sentimentos, temas e conflitos, característicos ao melodrama,acrescidos da estrutura digamos atualizadas do folhetim, isto é, fragmentação dotexto, um certo suspense, frases simples, pessoas que se tornam personagens, imagensque direcionam o olhar do receptor e facilitam a compreensão da notícia, tudo numamescla de códigos, vinculada a um processo de identificação e onde o imaginárioprevalece (LANZA, 2008, 89)Por conta da especificidade de seu objeto principal que é o futebol 6 –esporte em que a emoção ocupa um espaço simbólico privilegiado 7– e doperfil de seus leitores, em sua maioria torcedores ávidos por adentrarem em umterritório repleto de grandes acontecimentos e de ídolos imortais, configura-seno jornalismo esportivo brasileiro um campo em que é proporcionada umamaior liberdade de investimento narrativo na construção da notícia. Além disso,os fatos ligados ao mundo esportivo podem ser pensados como aquelesLOGOS <strong>33</strong>Comunicação e Esporte. Vol.17, Nº02, 2º semestre 201067
Costa. Futebol folhetinizado. A imprensa esportiva e os recursos narrativos usados na construção da notícia.que se encaixam “na categoria de notícias brandas ou leves, que geram umagrande quantidade de histórias de interesse humano” (SOUZA, 2005, 11).Nesse sentido, o jornalismo esportivo, no Brasil, seria uma porta aberta para afolhetinização da notícia processo em que informação e imaginação se unempara cativar a massa leitora. Imaginação melodramática (BROOKS, 1995),pois que marcada pelo exagero, por lugares-comuns e conteúdos eivados deconvencionalismo próprios para alcançar um público massivo. 8Muitas reportagens sobre futebol produzidas pela imprensa tem o excessocomo marca forte, assim como o suspense, a polêmica e uma visão demundo maniqueísta, dividida entre o bem e o mal, o certo e o errado, entreheróis e vilões. A ênfase no caráter dramático dos lances de uma partida, emcenas lacrimosas, em depoimentos eivados de emotividade, é constante emmuitas reportagens. Tais características se exarcebam nas coberturas da participaçãoda seleção em Copas do Mundo que frequentemente se configuramcomo um caldeirão de sentimentos diversos, acionados de acordo com o placarfinal do jogo. Caso o Brasil ganhe, tudo são risos e festa mesmo que antes dojogo a imprensa não tenha poupado a seleção de objeções e críticas. E quandoo Brasil perde, tudo são lágrimas e parece errado, mesmo que no dia anteriornão tenha faltado exaltação aos craques brasileiros. Em 1998, por exemplo,era possível ler manchetes como a que foi publicada pelo diário Lance, no diada final da Copa, e que dizia: “Brasil! Hoje é dia de penta” (12/07/1998). Diasantes do jogo entre Brasil e França, o Ataque dizia: “Com a mão no penta”(10/07/1998). Mas quando a derrota veio, tudo que era certo transformou-seem erro: “os sete erros capitais da seleção” (Lance, 13/07/1998). Nessa mesmaCopa, o jornal O Dia, antes da final, anunciava “A hora do Penta. Festa doPenta será na praia de Copacabana” (12/07/1998). Já no dia seguinte: “Saídapelos fundos” (O Dia, 13/07/1998).As recepções dos jogos do selecionado nacional são mediadas pela dor(para representar a derrota) ou pelo riso (para representarr a vitória), sentimentosque como já afirmou Martín-Barbero estão na base das estruturas melodramáticas(BARBERO, 2006, 168). Sendo assim, as Copas do Mundo tambémsão um ótimo exemplo de como, muitas vezes, o jornalismo pode lançar mãode estratégias narrativas próprias da ficção, mais especificamente do gêneromelodramático e de seus aparentados, como o folhetim. A necessidade de folhetinizara informação e a preocupação com os efeitos sobre o leitor balizamgrande parte das reportagens da mídia esportiva no Brasil. Para ilustrar esseaspecto será realizada uma rápida abordagem em algumas das recepções dederrotas que provocaram a eliminação do selecionado nacional de uma Copado Mundo. Quando isso ocorre, as emoções fervilham nas páginas esportivase há um teatro de lágrimas, mortes e consternação. Tal abordagem usará comofonte alguns dos principais jornais do eixo Rio-São Paulo.Dramas sem fim: Por que o Brasil perdeu?Todo esse teatro, acima mencionado, é configurado a partir de uma pergunta:por que o Brasil perdeu? Há alguns anos esse questionamento é o fioLOGOS <strong>33</strong>Comunicação e Esporte. Vol.17, Nº02, 2º semestre 201068
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