Costa. Futebol folhetinizado. A imprensa esportiva e os recursos narrativos usados na construção da notícia.13/07/1998). A Folha de São Paulo pintou um quadro chocante: “RobertoCarlos chamou outros jogadores, dando gritos pela janela (...) Lídio Toledo teveum acesso de choro ao ver o atacante prostrado no seu quarto, contido à forçapor companheiros depois do ataque de nervos” (Grifos meus, 16/07/1998). Já,segundo o Jornal do Brasil, a convulsão de Ronaldo deixara todos os jogadoresmuito assustados, particularmente, César Sampaio que “teve que desenrolar alíngua de Ronaldinho durante sua crise” (Grifos meus, 14/07/1998).Mas não é necessário que casos tão graves quanto esse ocorram para queo discurso da imprensa esportiva faça de tudo para abalar os sentidos do leitor.A derrota da seleção já é um motivo forte o bastante para se provocar dramassem fim que podem ser amplificados quando o próprio contexto do jogo dámargens a narrativas carregadas de emoção. A derrota de 1982, por exemplo, setransformou na “tragédia de Sarriá”, não apenas porque o jogo em si foi compostopor ingredientes suficientes para marcar nossa memória, mas porque elesforam potencializados por grande parte da imprensa. A maioria das primeiraspáginas dos jornais, publicadas no dia seguinte à perda do jogo para a Itália,configurava um cenário de desespero e total desolação, com direito a váriasimagens de torcedores aos prantos mostradas por diversos jornais do país. Aedição de 06/07/1982 do periódico O Dia enunciava na primeira página que o“Povão Chorou”, manchete cercada de fotos de torcedores, aos prantos, se abraçandoe outros sentados, ou mesmo caídos no chão, desalentados. Acima dessainscrição podemos ler a chamativa frase, “Mortos e feridos no jogo da emoção”.Segundo o jornal, dezenas de pessoas teriam sido internadas com princípio deenfarte e outras tantas foram feridas em pequenas brigas, tudo isso provocadopela derrota da seleção. Essa primeira página configurava um cenário trágico,cercado de dor, desespero e morte.Atmosferas funestas são muito comuns nos noticiários referentes às derrotasda seleção. Em 1950, o jornal O Globo, por exemplo, informou sobre amorte de torcedores que não teriam suportado a perda da Copa do Mundo. Afoto do sargento reformado da Marinha, João Soares da Silva, vinha abaixo danotícia “Morreu de emoção”. O periódico explicou que “a derrota da seleção foium verdadeiro choque para os torcedores (...) registrou-se um caso doloroso: às17:46 horas, no derradeiro minuto da peleja falecia emocionado (...) João Soaresda Silva, na sua residência” (17/07/1950). Paulo Perdigão sustentou em seu livroAnatomia de uma derrota que as possíveis mortes provocadas pela derrota brasileiranão passaram de boatos sem comprovação (1986, 43). E de fato, a notíciaacima relatada mais parece ter saído da imaginação fértil de um jornalista. Opassamento do marinheiro João ocorreu, mas nada garante que tenha sido porcausa da derrota da seleção. É possível notar a ação interpretativa dos fatos e umanarrativa que visava criar uma relação direta entre a derrota e o falecimento deJoão. Nesse sentido, chama atenção a coincidência do horário em que o jogo terminarae que a vida do marinheiro chegava ao fim. Não seria exagero levantar ahipótese de que se tratava de uma matéria cujo narrador buscou deliberadamentecriar a analogia entre aquelas duas mortes, a da seleção e a de João. E buscou,antes de tudo, chamar a atenção do público leitor, trazendo ao seu conhecimentoum fato que impressionava e amplificava os efeitos da derrota.LOGOS <strong>33</strong>Comunicação e Esporte. Vol.17, Nº02, 2º semestre 201071
Costa. Futebol folhetinizado. A imprensa esportiva e os recursos narrativos usados na construção da notícia.Cenas de choro e desolação não apenas dos torcedores, mas de jogadorestambém, costumam ser muito frequentes. Em 1974, o então técnico Zagalloapareceu em close com as mãos na cabeça, em sinal de desespero, por conta daderrota da seleção para a Holanda (O Estado de São Paulo, 04/07/1974). Como mesmo gesto de aflição aparecia Ronaldinho Gaúcho na edição da Folha deSão Paulo, do dia seguinte à eliminação da Copa de 2006 (02/07/2006). Nessemesmo ano, a primeira página de O Globo mostrava o jogador Zé Roberto deitadono chão – com as mãos na cabeça! –, aos prantos (02/07/2006). Imagensfortes e palavras também. Frases de impacto irrompem dando conta da imensador que a torcida nacional sente e, além disso, a seleção é criticada sem dó, nempiedade após a derrota: “Consternação em todo o país com a derrota do selecionado”(Grifos meus, O Globo, 20/07/1966); “E tudo se acabou. Foi uma 4ª feirade cinzas” (Ultima hora, 04/07/1974); “Brasil perdeu 3 pênaltis. Acabou a festa”(JS, 22/06/1986); “Derrota dramática” (O Dia, 22/06/1986); “França eliminaBrasil em um jogo dramático” (Estado de São Paulo, 22/06/1986); “Brasil desorientadoperde para Portugal” (JS, 20/07/1966); “Sonho do Penta acaba emlágrimas. Fiasco na final” (O Dia, 13/07/1998); “França liquida Brasil. Comatuação medíocre, seleção é eliminada da Copa” (O Globo, 02/07/2006).As notícias relativas às derrotas que eliminam a seleção de uma Copado Mundo são uma ótima demonstração do quanto “o culto ao superlativo”(NEVEU, 121, 2006) se faz presente na imprensa esportiva. O farto uso deartifícios que dramatizam as narrativas da derrota – e vitória também – doselecionado nacional lhes confere “traços de uma narrativa pseudoliterária namedida em que utiliza um enredo e cria uma trama que relaciona os personagensnuma história. Mas não é uma narrativa literária qualquer: utiliza acimade tudo a verossimilhança” (MOTTA, 314, 2002). A possibilidade de criaçãoé limitada, mas os mecanismos narrativos se assemelham aos usados em obrasficcionais, sobretudo, aqueles familiares ao melodrama e ao folhetim.Narrativa, espetáculo e mercado consumidorO jornalista Heródoto Barbeiro acredita que na imprensa esportiva, entretenimentoe informação estão muito próximos como em nenhuma outraárea do jornalismo, o que tornaria imprescindível um maior cuidado para quea emoção esteja “na dose certa e sempre ser recheada de isenção” (2006, 46).Porém, ao contrário desse equilíbrio proposto, foi mostrado neste trabalho quea emoção é elemento central na composição da notícia esportiva, daí reportagensmarcadas pelo excesso verbal, por polêmicas e especulações. Os jogos sãoconvertidos em histórias repletas de dramatizações em que o tom superlativoprepondera na tentativa de provocar os afetos do leitor, fomentando indentificaçãofácil e imediata.É com objetivo de obtenção de boas médias de vendagem que a imprensaesportiva costuma lançar mão de recursos narrativos, especialmente os melodramáticose folhetinescos, cuja intensidade pode variar de acordo com o tipode publicação. 13 Por isso, há também um forte diálogo com a linguagem publicitáriaperceptível em manchetes próprias para incitarem o consumo, o queLOGOS <strong>33</strong>Comunicação e Esporte. Vol.17, Nº02, 2º semestre 201072
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