Costa. Futebol folhetinizado. A imprensa esportiva e os recursos narrativos usados na construção da notícia.condutor das recepções da derrota da seleção produzidas por uma considerávelfração da imprensa no Brasil. Em 1950, por exemplo, dias após a seleçãobrasileira ter perdido a partida final da Copa do Mundo para os uruguaios, ojornalista Tomáz Mazzoni, o Olimpicus, redigiu a coluna “Como perdemoso título...” (JS, 19/07/1950) e Geraldo Romualdo da Silva desconsoladamenteperguntava “Por que o Brasil perdeu a última batalha?” (JS, 22/07/1950). Em1966, o mesmo Geraldo Romualdo da Silva fez uma extensa análise da eliminaçãodo Brasil em uma crônica intitulada “Por que o Brasil perdeu a Copado Mundo?”, na qual enumerava uma série de erros cometidos por jogadores,comissão técnica e pela própria CBD – atual CBF (JS, 27/07/1966). Em 1978,o Jornal da Tarde lançava a questão “Por que perdermos a Copa”, que ocupavapágina inteira, tendo o técnico argentino, Luis Menotti, como convidado pararespondê-la (24/06/1978). Em 1986, o Jornal dos Sports reuniu alguns jornalistas,técnicos e ex-jogadores numa espécie de mesa-redonda intitulada “Porque o Brasil perdeu a Copa?” 9 , cujo conteúdo foi publicado de 27/06/1986 a29/06/1986. Em 1998, na edição do dia seguinte à derrota para a França, aprimeira página do diário Lance dizia: “Por que?” 10Embora tente-se revestir essa interrogação com uma aura crítica e pretensamenteinvestigativa, geralmente essa pergunta visa, antes de tudo, provocarpolêmica, criar suspense, assim como discussões infinitas em torno da derrota.A escolha e o encadeamento dos fatos formam uma sequência narrativana qual há um total privilégio dos aspectos conflituosos como brigas internas,problemas de relacionamento entre técnico e jogadores etc. Esse aspecto foibastante marcante na recepção da eliminação da seleção da Copa de 1990, emque investiu-se em matérias alardeando o mau relacionamento entre jogadorese técnico. O jornal O Dia, por exemplo, publicou uma matéria que tinha comotítulo a forte declaração de dois importante atletas que afirmavam não desejarmais atuar pela seleção brasileira: “Bebeto e Romário: seleção nunca mais”(30/06/1990). O motivo estaria relacionado ao fato de o técnico Lazaroni tê-losdeixado no banco, o que segundo Bebeto representou uma traição: “Lazaronifoi desonesto comigo – disparou Bebeto. Fechamos com ele em Salvador eem troca recebemos essa traição. Me botou cinco minutos para jogar contra aSuécia e depois esqueceu que eu existia” (30/06/1990).Nas narrativas da derrota da seleção em Copas é possível notarmos umaconstante referência à troca de acusações e uma ânsia pela busca dos vilões, ou seja,aqueles jogadores, técnicos, dirigentes considerados os responsáveis pelo fracassoem campo. Por isso, assim como ocorre em muitos melodramas e folhetins, asrecepções da derrota costumam recorrer à “representação da justiça” (MEYER,1996, 385). 11 Esse aspecto se evidencia no constante investimento da imprensa naconfiguração de uma espécie de tribunal para que os possíveis “culpados” pelorevés brasileiro sejam julgados. O Diário de Minas, em 1966, trazia a manchete“Garrincha acusa comissão técnica pelo fracasso nos jogos da Copa” (26/07/1966).Em 1986, a atmosfera de julgamento persistia, “Galera culpa Sócrates e Zico pelofracasso” (JS, 23/06/1986). Em 1990, a pergunta lançada foi: “Sebastião Lazaronié o grande culpado da derrota do Brasil?” (JS, 25/06/1990) e nessa mesma Copatemos: “Lazaroni culpa Müller e Careca (JS, 26/06/1990).LOGOS <strong>33</strong>Comunicação e Esporte. Vol.17, Nº02, 2º semestre 201069
Costa. Futebol folhetinizado. A imprensa esportiva e os recursos narrativos usados na construção da notícia.É possível dizer que as recepções da derrota, produzidas pela imprensa,seguem o modelo das narrativas da redundância no sentido usado porUmberto Eco (1998) para se referir a grande parte das produções feitas para oentretenimento do grande público na cultura contemporânea. Elas são marcadaspela previsibilidade e repetição de um determinado esquema que, no casoda recepção das derrotas da seleção, se ancora naquela já mencionada pergunta:por que o Brasil perdeu? Além disso, o suspense e a atenção do espectadorsão mantidos e, frequentemente, tais matérias possuem um caráter inconcluso,sempre havendo a possibilidade de se trazer a publico novos fatos, novos depoimentosque reacendem ou criam outras polêmicas, mas que dificilmente dãofim às mesmas. Esse aspecto foi bastante evidente na Copa do Mundo de 1998.O mistério em torno dos problemas ocorridos com Ronaldo, o Fenômeno, oprincipal jogador da seleção, horas antes do jogo final contra a França, foi intensamenteexplorado pela imprensa que, na época, não se cansava de anunciarque traria a público a “verdade” dos fatos. A Folha de São Paulo, por exemplo,publicou uma longa reportagem intitulada “A história secreta de Ronaldinho”na qual alardeava comprovar que o jogador não teria sofrido uma convulsão,mas sim uma crise nervosa (16/07/1998). 12Paradoxalmente, a procura pela “verdade” serviu de mote importantepara que parte da imprensa tecesse uma série de conjecturas, muitas vezes,imaginativas. Coleta de depoimentos, acesso a documentos sigilosos, reconstruçãodos dias que antecederam a crise do jogador, revelações fortes, tambémaproximaram as reportagens dessa Copa dos romances policiais. Até mesmoalguns jogadores se viram envolvidos nesse clima misterioso. O Globo expôsum depoimento em que o lateral Roberto Carlos – considerada uma “testemunha”importante, pois era o companheiro de quarto de Ronaldo – declarara:“Eu e Lídio sabemos o que houve realmente” (O Globo, 16/07/1998). Hipótesese teorias mirabolantes que tentavam explicar a possível crise convulsiva deRonaldo pululavam nos jornais, sendo constantemente alimentadas pela introduçãode novas testemunhas ou informações de última hora que prometiamfazer revelações estrondosas sobre o acontecimento. Promessas, muitas vezes,não cumpridas, mas que eram o suficiente para despertar a curiosidade dosleitores, funcionando como uma espécie de cena dos próximos capítulos.As narrativas da derrota de 1998 também capricharam no aspecto dramáticoe cênico. Imagens grotescas foram desenhadas ante nossos olhos porintermédio de palavras. O apelo à visualidade, aliás, é uma das característicasdo teatro melodramático que costumava atribuir papel central ao palco,preocupando-se, sobretudo, com as “impressões visuais causadas por incêndio,inundações, erupções vulcânicas, por temporais etc” (HUPES, 2000, 101).Situações extremas mostradas para provocar toda espécie de emoção, tambémnos foram ofertadas nas várias tentativas de reconstituição da cena da poucoexplicada noite de Ronaldo, o Fenômeno. Houve grande ênfase nos aspectosmórbidos da situação: gritos, choros, desespero foram demasiadamente mencionadosnas reportagens sobre a crise do jogador da seleção. O diário Lance!,em sua capa, mostrou a seguinte manchete: “Terror no castelo: Ronaldo babava,Leonardo chorava e César Sampaio rezava pelo craque” (Grifos meus,LOGOS <strong>33</strong>Comunicação e Esporte. Vol.17, Nº02, 2º semestre 201070
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