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edição de 24 de junho de 2019

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mArketing & negócios<br />

artisteer/iStock<br />

A arte da<br />

tergiversação<br />

A eficiência é duvidosa e a<br />

eficácia, com certeza, é mínima<br />

Rafael Sampaio<br />

tergiversação está tão disseminada,<br />

A tem tamanho impacto e acontece com<br />

tanta regularida<strong>de</strong> que se po<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar<br />

essa atitu<strong>de</strong> não apenas como epidêmica,<br />

mas com uma sofisticação que chega ao nível<br />

da arte. Arte da irresponsabilida<strong>de</strong> e do<br />

mal, po<strong>de</strong>-se dizer, mas ainda assim arte -<br />

pelo requinte com o qual tudo é feito.<br />

Ela começa na ponta da ca<strong>de</strong>ia, no anunciante.<br />

Produtos longe <strong>de</strong> serem bons e<br />

competitivos, serviços <strong>de</strong>ficientes, ambos<br />

vestidos com marcas chochas, são enviados<br />

para o marketing cuidar <strong>de</strong> sua venda.<br />

Ou seja, a produção foge <strong>de</strong> suas responsabilida<strong>de</strong>s<br />

e <strong>de</strong>veres e empurra, no primeiro<br />

ato <strong>de</strong> tergiversação, para o pessoal <strong>de</strong> mercado<br />

estruturar uma estratégia matadora.<br />

Só que o marketing não faz direito a sua<br />

parte. O mais lógico seria <strong>de</strong>volver a bomba<br />

para a P&D, produção, logística, sistemas,<br />

o que fosse, <strong>de</strong> modo a se ter um produto/<br />

serviço melhor e mais competitivo, para recomeçar.<br />

Sem essa opção, a alternativa seria pensar<br />

em uma estratégia excepcional, um<br />

posicionamento único ou qualquer outro<br />

aspecto do marketing capaz <strong>de</strong> “salvar” o<br />

produto/serviço e lhe dar sobrevida, pelo<br />

menos enquanto as melhorias reais não<br />

fossem provi<strong>de</strong>nciadas. Simplesmente baixar<br />

o preço não vale, pois isso é dar o tiro<br />

no pé da autocomoditização do que se oferece<br />

ao mercado.<br />

É aí que o marketing lembra da publicida<strong>de</strong><br />

e da agência, capaz <strong>de</strong> operar um milagre,<br />

<strong>de</strong> preferência digital, com a ilusão<br />

<strong>de</strong> que os custos serão baixos e os resultados,<br />

altos e rápidos. É a contribuição <strong>de</strong>le<br />

para a ca<strong>de</strong>ia da tergiversação, que já tinha<br />

recebido a ajuda do financeiro e do procurement<br />

que, por não conseguirem reduzir<br />

custos nos processos e etapas anteriores,<br />

resolveram a sua parte do jeito mais fácil:<br />

cortando verbas. Um variante <strong>de</strong>sse movimento<br />

em direção à agência e cada vez mais<br />

comum, infelizmente, é trocar <strong>de</strong> agência,<br />

em busca <strong>de</strong> uma mais barata, que pareça<br />

mais genial e aceite tentar o milagre <strong>de</strong> pegar<br />

um briefing sem produto, sem estratégia<br />

e sem verba para gerar uma campanha<br />

“vencedora”.<br />

Entre aspas porque a parte da agência<br />

nesse jogo <strong>de</strong> nonsense é topar trabalhar<br />

por pouco, inventar uma mágica capaz <strong>de</strong><br />

ren<strong>de</strong>r bom volume <strong>de</strong> RP e, quem sabe,<br />

um prêmio, para escapar daquele cliente<br />

bichado pegando uma parte melhor da<br />

conta - ou outro mais sério - com o fru-fru-<br />

-fru alcançado com a mais requintada tergiversação.<br />

O que acontece é que nove entre <strong>de</strong>z vezes<br />

esse truque não dá certo e a agência<br />

continua tatibitatemente trabalhando para<br />

clientes semelhantes, gerando a espiral<br />

<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong> pior mais mal<br />

paga e com menor chances <strong>de</strong> dar resultados.<br />

É quase que uma meta-tergiversação.<br />

Nessa senda da <strong>de</strong>sculpa esfarrapada apresentada<br />

como solução milagrosa, a agência,<br />

<strong>de</strong>vidamente mancomunada com os<br />

profissionais do cliente, vai atrás <strong>de</strong> uma<br />

mídia salvadora. A primeira tentativa é<br />

convencer uma mídia mais séria e efetiva a<br />

dar um <strong>de</strong>sconto excepcional ou aceitar ser<br />

sócia dos resultados.<br />

Como isso geralmente não rola, <strong>de</strong>sembarca-se<br />

nos mais variados veículos alternativos,<br />

que topam qualquer coisa e embarcam<br />

com certa alegria no trem da tergiversação.<br />

Ou então se lança mão <strong>de</strong> alguma<br />

solução digital, <strong>de</strong> preferência inovadora,<br />

na linha do conteúdo, disseminação viral,<br />

influencers ou outra bobagem.<br />

Aí se chega ao famoso ponto <strong>de</strong> “vocês<br />

fingem que anunciam e nós fingimos que<br />

damos resultado”, do qual as mídias digitais<br />

estão cheias. A eficiência é duvidosa e<br />

a eficácia, com certeza, é mínima. Aí se começa<br />

um novo ciclo <strong>de</strong> tergiversação, que<br />

dura até a marca e a empresa per<strong>de</strong>r capacida<strong>de</strong><br />

competitiva e sair do mercado. Por<br />

sorte, se <strong>de</strong>r tempo, ven<strong>de</strong>ndo. Ou então<br />

caminhando para um previsível fim.<br />

Rafael Sampaio é consultor em propaganda<br />

rafaelsampaio103@gmail.com<br />

64 <strong>24</strong> <strong>de</strong> <strong>junho</strong> <strong>de</strong> <strong>2019</strong> - jornal propmark

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