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mArketing & negócios<br />
artisteer/iStock<br />
A arte da<br />
tergiversação<br />
A eficiência é duvidosa e a<br />
eficácia, com certeza, é mínima<br />
Rafael Sampaio<br />
tergiversação está tão disseminada,<br />
A tem tamanho impacto e acontece com<br />
tanta regularida<strong>de</strong> que se po<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar<br />
essa atitu<strong>de</strong> não apenas como epidêmica,<br />
mas com uma sofisticação que chega ao nível<br />
da arte. Arte da irresponsabilida<strong>de</strong> e do<br />
mal, po<strong>de</strong>-se dizer, mas ainda assim arte -<br />
pelo requinte com o qual tudo é feito.<br />
Ela começa na ponta da ca<strong>de</strong>ia, no anunciante.<br />
Produtos longe <strong>de</strong> serem bons e<br />
competitivos, serviços <strong>de</strong>ficientes, ambos<br />
vestidos com marcas chochas, são enviados<br />
para o marketing cuidar <strong>de</strong> sua venda.<br />
Ou seja, a produção foge <strong>de</strong> suas responsabilida<strong>de</strong>s<br />
e <strong>de</strong>veres e empurra, no primeiro<br />
ato <strong>de</strong> tergiversação, para o pessoal <strong>de</strong> mercado<br />
estruturar uma estratégia matadora.<br />
Só que o marketing não faz direito a sua<br />
parte. O mais lógico seria <strong>de</strong>volver a bomba<br />
para a P&D, produção, logística, sistemas,<br />
o que fosse, <strong>de</strong> modo a se ter um produto/<br />
serviço melhor e mais competitivo, para recomeçar.<br />
Sem essa opção, a alternativa seria pensar<br />
em uma estratégia excepcional, um<br />
posicionamento único ou qualquer outro<br />
aspecto do marketing capaz <strong>de</strong> “salvar” o<br />
produto/serviço e lhe dar sobrevida, pelo<br />
menos enquanto as melhorias reais não<br />
fossem provi<strong>de</strong>nciadas. Simplesmente baixar<br />
o preço não vale, pois isso é dar o tiro<br />
no pé da autocomoditização do que se oferece<br />
ao mercado.<br />
É aí que o marketing lembra da publicida<strong>de</strong><br />
e da agência, capaz <strong>de</strong> operar um milagre,<br />
<strong>de</strong> preferência digital, com a ilusão<br />
<strong>de</strong> que os custos serão baixos e os resultados,<br />
altos e rápidos. É a contribuição <strong>de</strong>le<br />
para a ca<strong>de</strong>ia da tergiversação, que já tinha<br />
recebido a ajuda do financeiro e do procurement<br />
que, por não conseguirem reduzir<br />
custos nos processos e etapas anteriores,<br />
resolveram a sua parte do jeito mais fácil:<br />
cortando verbas. Um variante <strong>de</strong>sse movimento<br />
em direção à agência e cada vez mais<br />
comum, infelizmente, é trocar <strong>de</strong> agência,<br />
em busca <strong>de</strong> uma mais barata, que pareça<br />
mais genial e aceite tentar o milagre <strong>de</strong> pegar<br />
um briefing sem produto, sem estratégia<br />
e sem verba para gerar uma campanha<br />
“vencedora”.<br />
Entre aspas porque a parte da agência<br />
nesse jogo <strong>de</strong> nonsense é topar trabalhar<br />
por pouco, inventar uma mágica capaz <strong>de</strong><br />
ren<strong>de</strong>r bom volume <strong>de</strong> RP e, quem sabe,<br />
um prêmio, para escapar daquele cliente<br />
bichado pegando uma parte melhor da<br />
conta - ou outro mais sério - com o fru-fru-<br />
-fru alcançado com a mais requintada tergiversação.<br />
O que acontece é que nove entre <strong>de</strong>z vezes<br />
esse truque não dá certo e a agência<br />
continua tatibitatemente trabalhando para<br />
clientes semelhantes, gerando a espiral<br />
<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong> pior mais mal<br />
paga e com menor chances <strong>de</strong> dar resultados.<br />
É quase que uma meta-tergiversação.<br />
Nessa senda da <strong>de</strong>sculpa esfarrapada apresentada<br />
como solução milagrosa, a agência,<br />
<strong>de</strong>vidamente mancomunada com os<br />
profissionais do cliente, vai atrás <strong>de</strong> uma<br />
mídia salvadora. A primeira tentativa é<br />
convencer uma mídia mais séria e efetiva a<br />
dar um <strong>de</strong>sconto excepcional ou aceitar ser<br />
sócia dos resultados.<br />
Como isso geralmente não rola, <strong>de</strong>sembarca-se<br />
nos mais variados veículos alternativos,<br />
que topam qualquer coisa e embarcam<br />
com certa alegria no trem da tergiversação.<br />
Ou então se lança mão <strong>de</strong> alguma<br />
solução digital, <strong>de</strong> preferência inovadora,<br />
na linha do conteúdo, disseminação viral,<br />
influencers ou outra bobagem.<br />
Aí se chega ao famoso ponto <strong>de</strong> “vocês<br />
fingem que anunciam e nós fingimos que<br />
damos resultado”, do qual as mídias digitais<br />
estão cheias. A eficiência é duvidosa e<br />
a eficácia, com certeza, é mínima. Aí se começa<br />
um novo ciclo <strong>de</strong> tergiversação, que<br />
dura até a marca e a empresa per<strong>de</strong>r capacida<strong>de</strong><br />
competitiva e sair do mercado. Por<br />
sorte, se <strong>de</strong>r tempo, ven<strong>de</strong>ndo. Ou então<br />
caminhando para um previsível fim.<br />
Rafael Sampaio é consultor em propaganda<br />
rafaelsampaio103@gmail.com<br />
64 <strong>24</strong> <strong>de</strong> <strong>junho</strong> <strong>de</strong> <strong>2019</strong> - jornal propmark