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A Mulher que Escreveu Bíblia Moacyr Scliar Em ... - Sua Alteza o Gato

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emoção. Afinal, era o rei, e um rei tem de se conter na frente dos<br />

súditos, sobretudo um rei <strong>que</strong> se pretende sábio e poderoso.<br />

Olhou-me, o rei. Agora, sim, havia tristeza em seu olhar, pelos escritos<br />

perdidos, mas também, disso eu tinha certeza, por mim. Tu estavas nesse<br />

texto, era o <strong>que</strong> ele estava me dizendo, o teu esforço, a tua paixão;<br />

sinto por ti, tanto quanto sinto por mim e pela obra.<br />

Ao fim e ao cabo, era um bom homem, o Salomão. Mas era também o rei - e<br />

na<strong>que</strong>le momento precisava cumprir suas funções de rei. O <strong>que</strong> vamos fazer<br />

com esse elemento, perguntou o chefe da segurança, apontando o subjugado<br />

pastorzinho. Salomão pensou um pouco:<br />

- Vamos julgá-lo. Já.<br />

Voltou-se para a rainha de Sabá:<br />

- Querias um julgamento? Pois agora verás. - Sorriu: - <strong>Em</strong> lugar do livro<br />

<strong>que</strong> te prometi.<br />

E anunciou em voz alta, forte:<br />

- Vamos para a sala do trono. Todos.<br />

E fomos. À frente do cortejo, o chefe de segurança e os guardas,<br />

conduzindo o pastorzinho. Depois Salomão e a rainha de Sabá. E as<br />

esposas, as concubinas, os cortesãos, tornamos a lotar o recinto.<br />

Lentamente o rei galgou os degraus do trono. Mas não sentou. Lá de cima,<br />

mirou o pastorzinho:<br />

- És acusado - disse, em voz neutra, pausada - de ter colocado fogo num<br />

aposento do palácio, como parte de uma trama contra o rei. É um crime<br />

grave. Ademais, resultou na destruição de um documento de grande valor,<br />

um documento <strong>que</strong> exigiu muito trabalho, muito esforço.<br />

Pausa. O silêncio era completo.<br />

- É verdadeira, esta acusação? - perguntou o rei.<br />

O prisioneiro não respondeu: olhava-o, apenas, fixamente.<br />

- O teu silêncio - continuou Salomão - equivale a uma admissão de culpa.<br />

Nova pausa. Todos, ansiosos, esperavam pela sentença. E aí, a surpresa:<br />

- Não te condenarei - disse o monarca. Um murmúrio de espanto ergueu-se<br />

da audiência, um murmúrio <strong>que</strong> ele fez cessar erguendo a mão. Prosseguiu:<br />

- Nada me fizeste. Não passas de uma vítima de ti mesmo, dos teus<br />

próprios rancores.<br />

Mais uma pausa (pausas, pelo jeito, eram essenciais para dar peso, ou ao<br />

menos dramaticidade, a um veredicto), e prosseguiu.<br />

- Eu te libertaria. Mas não posso fazê-lo. Destruíste também o trabalho<br />

de uma pessoa, e esta pessoa tem o direito de exigir <strong>que</strong> sejas castigado.

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