A Mulher que Escreveu Bíblia Moacyr Scliar Em ... - Sua Alteza o Gato
A Mulher que Escreveu Bíblia Moacyr Scliar Em ... - Sua Alteza o Gato
A Mulher que Escreveu Bíblia Moacyr Scliar Em ... - Sua Alteza o Gato
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
sobre mim, <strong>que</strong> rolássemos pela cama como loucos, <strong>que</strong> caíssemos no chão<br />
até. Mas não, ele preferia o maldito terraço. Senti <strong>que</strong> aquilo não ia<br />
terminar bem.<br />
Não deu outra. Quando ele finalmente se deitou, ainda com o roupão de<br />
seda, estava longe de parecer um homem tomado pela paixão. Bocejou,<br />
coçou-se, pegou um copo de vinho <strong>que</strong> estava sobre a mesa de cabeceira,<br />
tomou um gole, fez uma careta (está azedo esse vinho, tenho de mandar<br />
trocar), e só então voltou-se para mim, com a<strong>que</strong>la cara de menino <strong>que</strong><br />
tem de fazer a lição de casa mas não <strong>que</strong>r:<br />
- Vamos lá. Abre as pernas.<br />
Assim mesmo: vamos lá, abre as pernas. Nada de palavrinhas carinhosas,<br />
nada de carícias, nada de sutis prolegômenos. Direto ao assunto, como um<br />
taberneiro <strong>que</strong> deita com a mulher para se saciar e depois dorme. Mas - a<br />
ilusão não tem limites - aquilo me soou como a mais doce das elegias,<br />
como um terno convite ao amor; abri, pois, as pernas. Ele veio.<br />
Veio. Mas nada aconteceu. Era para eu sentir o ferro? Era para eu gritar<br />
de dor e prazer? Era para eu descer aos infernos e depois, como um<br />
foguete, subir aos céus, ao paraíso do gozo? Não senti o ferro coisa<br />
nenhuma, não gritei coisa nenhuma, não desci e nem subi coisa nenhuma,<br />
coisíssima nenhuma. Na minha úmida vagina nada tinha entrado. O esperado<br />
hóspede não se fizera presente.<br />
- Alguma coisa não está funcionando bem - gemeu ele, e à<strong>que</strong>la altura o<br />
suor já lhe perolava a testa. Aquilo me irritou, a<strong>que</strong>le anticlímax. Era<br />
assim <strong>que</strong> a suposta noite de paixão terminaria, com um gemido ao invés<br />
de um brado de alegria? O <strong>que</strong> estava havendo? Resolvi meter a mão e ver<br />
o <strong>que</strong> estava acontecendo. Suprema decepção: o circunciso pinto real<br />
estava ali, conforme esperado, mas murcho, flácido. Meu gesto só fez<br />
irritá-lo:<br />
- Quem é <strong>que</strong> te autorizou a mexer aí? Quem pensas <strong>que</strong> és, afinal?<br />
- Sou tua esposa - respondi, desabrida. - Uma a mais, mas esposa, de<br />
todo jeito. Tu és meu esposo. E não estás correspondendo.<br />
Ele ficou um instante em silêncio, os olhos no teto. Depois voltou-se<br />
para mim, magoado e ao mesmo tempo furioso:<br />
- Está bem. Queres saber? Broxei. Nunca tinha me acontecido antes, mas<br />
agora aconteceu. Broxei. É uma coisa vergonhosa, mas tenho de admitir:<br />
broxei. Depois de setecentas esposas, trezentas concubinas e vários<br />
casos extras, broxei. Fracasso. Fracasso total.<br />
Bufou.<br />
- Agora: de <strong>que</strong>m é a culpa? É tua. Quem mandou ser tão feia? Além de<br />
feia, estúpida. Estou passando por um momento de grandes dificuldades,<br />
até ameaça de rebelião enfrento. O <strong>que</strong> se espera de uma esposa em<br />
circunstƒncias assim? Compreensão, paciência. Mas não. Forçaste a barra,<br />
fizeste até um comício para me obrigar a te receber. Resultado: broxura.<br />
Mas arcarás com as conseqüências: sairás daqui como entraste: cabaço.<br />
Bem feito. É o castigo <strong>que</strong> mereces.