A Mulher que Escreveu Bíblia Moacyr Scliar Em ... - Sua Alteza o Gato
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Foi a gota <strong>que</strong> fez transbordar o cálice de meu desespero. Gemendo e<br />
choramingando, não faz isso comigo, meu rei, por favor, não me<br />
envergonhes, agarrei-me a ele, beijando-lhe o peito, a barriga e aí -<br />
tresloucada <strong>que</strong> estava - tentei recorrer ao sexo oral, a exemplo de minha<br />
irmã com o pastorzinho na caverna. Antes <strong>que</strong> ele pudesse esboçar qual<strong>que</strong>r<br />
coisa, caí de boca no pau dele.<br />
Tremenda bobagem. Eu não sabia, mas descobri-o na hora: pênis mole não<br />
aceita felação. O resultado, em conseqüência, foi simplesmente<br />
catastrófico. Transtornado, ele saltou da cama; fitou-me, lívido, e<br />
então apontou um trêmulo dedo para a porta:<br />
- Sai, abominável! Sai daqui!<br />
Alarmados com a gritaria, dois guardas entraram correndo, lanças em<br />
riste - e aí se detiveram, atarantados, sem saber o <strong>que</strong> fazer. O <strong>que</strong> o<br />
deixou simplesmente possesso:<br />
- Quem mandou vocês entrarem, seus idiotas? Eu chamei vocês, por acaso?<br />
Caiu em si, deu-se conta de <strong>que</strong> corria um risco: se os guardas contassem<br />
o acontecido, a reputação dele estaria para sempre comprometida. De modo<br />
<strong>que</strong> rapidamente armou sua encenação:<br />
- Minha esposa não está se sentindo bem. Acompanhem-na até o harém,<br />
digam à encarregada para tomar conta dela.<br />
Sem resistência, deixei-me conduzir.<br />
As mulheres estavam todas acordadas, obviamente. Ao me ver chegar, ainda<br />
mais descabelada e desarrumada do <strong>que</strong> tinha ido, e em prantos, se deram<br />
conta do <strong>que</strong> tinha acontecido. A reação delas foi muito digna: poderiam<br />
ter gozado com a minha cara, poderiam ter me esculhambado - olhem só a<br />
líder <strong>que</strong> arrumamos, essa aí é um fracasso completo - mas não, nada<br />
disseram, nada perguntaram. Duas ou três me ajudaram a me deitar, e uma<br />
até ficou cantando baixinho - um pouco desafinada, mas muito emotiva -<br />
para <strong>que</strong> eu adormecesse. O <strong>que</strong> só depois de muito choro aconteceu.<br />
No dia seguinte nem pude levantar-me da cama, tão mal estava. Passei o<br />
dia sem comer, sem beber, soluçando o tempo todo. As mulheres do harém,<br />
sinceramente consternadas, rodeavam-me, <strong>que</strong>rendo saber o <strong>que</strong> podiam<br />
fazer por mim. Quem sabe uma fruta? Quem sabe flores? Quem sabe cantavam<br />
para me alegrar?<br />
Mas não, nada podia me alegrar. Melhor dizendo, havia uma coisa <strong>que</strong><br />
poderia me tirar da<strong>que</strong>le desespero - o chamado de Salomão. Se me mandasse<br />
buscar, se pedisse desculpas pelo fiasco - perdoa-me, eu não estava num<br />
bom momento mas agora <strong>que</strong>ro me reabilitar, <strong>que</strong>ro viver contigo momentos<br />
de muito amor -, ah, se isso acontecesse eu, fênix esplendorosa,<br />
renasceria de minhas próprias cinzas e voaria para ele.<br />
Salomão não me chamou. Pior: nos dias <strong>que</strong> se seguiram, chamou outras,<br />
várias outras. As belas, as mais belas. Vi nisso claro recado: feiúra é<br />
um veneno, feiúra acaba com qual<strong>que</strong>r tesão, preciso da beleza como<br />
antídoto.