A Mulher que Escreveu Bíblia Moacyr Scliar Em ... - Sua Alteza o Gato
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Sem esperar a minha resposta, prosseguiu, cada vez mais exaltado.<br />
- Mas nós, os Guerreiros do Bem, já estamos nos preparando, sob o comando<br />
do Mestre da Justiça. Por enquanto, como te disse, somos poucos. Mas<br />
logo multidões se juntarão a nós. E então travaremos a batalha final.<br />
Quando isso acontecer, rios de sangue correrão nesta terra, carregando<br />
consigo o pecado e a abominação.<br />
Eu agora estava impressionada - e alarmada. Não havia dúvida, o rapaz<br />
estava disposto a matar e a morrer. Uma dúvida me inquietava: o <strong>que</strong><br />
estava ele fazendo no palácio? Por <strong>que</strong> acompanhara a rainha de Sabá?<br />
Tratava-se de uma missão, ele dissera. Que missão? Foi o <strong>que</strong> perguntei,<br />
mas recusou-se a responder. Com um pálido sorriso, e recusando minha<br />
ajuda, tornou a vestir o manto:<br />
- O <strong>que</strong> eu tinha a dizer, já disse. O resto tu verás, quando chegar a<br />
hora. E a hora, posso te garantir, está próxima.<br />
Com ar agora despreocupado, casual - o <strong>que</strong> contrastava espantosamente<br />
com sua anterior agitação - pôs-se a andar pelo quarto. Olhou os<br />
manuscritos nas prateleiras, quis saber do <strong>que</strong> se tratava. Contei <strong>que</strong><br />
estava escrevendo o livro para Salomão.<br />
- Um livro - suspirou ele. - Sim, eu imaginava isto, <strong>que</strong> um dia<br />
escreverias um livro. Sempre foste muito inteligente. Mais inteligente<br />
<strong>que</strong> tua irmã - mais inteligente e mais decente. Pensando bem, eu-<br />
De novo interrompeu-se. Tornou a olhar o manuscrito. E disse, num tom<br />
<strong>que</strong> se esforçava por parecer neutro mas <strong>que</strong> traía uma inequívoca<br />
ansiedade.<br />
- Imagino <strong>que</strong> este livro seja muito importante para ele.<br />
- É. É muito importante. Ele diz <strong>que</strong> é tão importante quanto o Templo.<br />
Pretende até dar uma cópia à rainha de Sabá.<br />
Guardou o manuscrito na prateleira, sorriu, irônico:<br />
- E por isso te mantém presa aqui. Para <strong>que</strong> escrevas um livro destinado<br />
à rainha de Sabá. É mais uma de suas abominações. Mas isto vai acabar,<br />
te garanto. Mais depressa do <strong>que</strong> se imagina.<br />
De novo o enigma. O <strong>que</strong> estava <strong>que</strong>rendo dizer com aquilo? Antes <strong>que</strong> eu<br />
pudesse lhe perguntar, disse <strong>que</strong> tinha de ir, sua ausência poderia<br />
parecer suspeita. Tomou-me a mão - e agora havia afeto em seu gesto,<br />
afeto e ternura - e pediu <strong>que</strong> não contasse a ninguém a nossa conversa.<br />
Com um sorriso - <strong>que</strong> tinha algo de sinistro, mas no qual ainda estava,<br />
de algum modo, a timidez do pastorzinho - abriu a porta e desapareceu<br />
nas sombras do corredor.<br />
Deixei-me cair sobre o leito. Estava tão confusa, e tão amedrontada, <strong>que</strong><br />
não sabia em <strong>que</strong> pensar. Mas sabia <strong>que</strong> tinha de descobrir, e logo, o <strong>que</strong><br />
trouxera o pastorzinho ao palácio. Uma missão, ele dissera. Mas <strong>que</strong> tipo<br />
de missão poderia o rapaz ali desempenhar - sozinho? Será <strong>que</strong> pretendia,<br />
por exemplo, fazer uma pregação qual<strong>que</strong>r ao estilo dos tradicionais