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Papel e pel-355cula da montagem liter-341ria - Centro de Ensino ...

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sabia que essa atitu<strong>de</strong> lhe era impossível. Ela o amava, nasceu embaixo <strong>de</strong> sua<br />

cama, era sua companheira no trabalho com o gado.<br />

O entorpecimento causado com a proximi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> morte faz com que Baleia<br />

pense que vai dormir. Porém, ela se mostra preocupa<strong>da</strong> com a proteção do terreiro<br />

<strong>da</strong> casa:<br />

Uma angustia apertou-lhe o pequeno coração. Precisava vigiar as cabras:<br />

àquela hora cheiros <strong>de</strong> suçuaranas <strong>de</strong>viam an<strong>da</strong>r <strong>pel</strong>as ribanceiras, ron<strong>da</strong>r<br />

as moitas afasta<strong>da</strong>s. Felizmente os meninos dormiam na esteira, por baixo<br />

do caritó, on<strong>de</strong> sinha Vitória guar<strong>da</strong>va o cachimbo (RAMOS, 2000, p.90).<br />

A aflição <strong>da</strong> cachorra é narra<strong>da</strong> em pormenores. Esta é a única passagem <strong>da</strong><br />

narrativa que Graciliano Ramos permitiu construções <strong>de</strong>ste tipo. Ca<strong>da</strong> sentimento<br />

que Baleia sente, o leitor conhece, vive com ela a aflição <strong>da</strong> morte imanente, o<br />

escurecimento <strong>da</strong>s vistas, os <strong>de</strong>lírios e o frio que iam tomando conta do corpo <strong>da</strong><br />

cachorra, à medi<strong>da</strong> que a dormência ia subindo, até chegar em seu peito, on<strong>de</strong><br />

havia um coração que ain<strong>da</strong> batia.<br />

O último parágrafo do capítulo “Baleia” é cercado <strong>de</strong> lirismo. Embutido nele,<br />

encontra-se a idéia <strong>de</strong> que ao acor<strong>da</strong>r do sono mortal Baleia seria feliz <strong>de</strong> novo,<br />

liberta <strong>da</strong> dor e do frio, cerca<strong>da</strong> <strong>pel</strong>a família que ela tanta amava, imensa, na sua<br />

visão <strong>de</strong> pequenina. E os preás gordos e enormes também estariam lá, povoando o<br />

mundo <strong>de</strong> Baleia e <strong>da</strong> família, que por conta disso jamais sentiriam fome <strong>de</strong> novo, e<br />

po<strong>de</strong>riam seguir juntos, embalados por uma felici<strong>da</strong><strong>de</strong> que, na reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, eles só<br />

viveriam nos <strong>de</strong>vaneios <strong>de</strong> Baleia.<br />

A morte <strong>da</strong> cachorra é marca<strong>da</strong> por emoções, recor<strong>da</strong>ções e <strong>de</strong>sejos,<br />

embalados por uma subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> lírica que permeia to<strong>da</strong> a <strong>de</strong>scrição. Essa<br />

aproximação do leitor <strong>da</strong> alma do animal, em muito se assemelha aos episódios<br />

líricos, tanto <strong>pel</strong>a beleza do relato, quanto no momento <strong>de</strong> pura poesia que produz.<br />

Segundo Emil Staiger, em Conceitos fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> poética, “po<strong>de</strong>-se dizer que<br />

o gênero lírico é a expressão do sentimento pessoal. É a maneira como a alma, com<br />

seus juízos subjetivos, alegrias e admirações, dores e sensações, toma consciência<br />

<strong>de</strong> si mesma no âmago <strong>de</strong>ste conteúdo (1997, p.25)”.<br />

A opção <strong>de</strong> Graciliano Ramos <strong>pel</strong>o uso do discurso indireto livre e <strong>da</strong><br />

onisciência transformou o capítulo “Baleia” num marco. A <strong>de</strong>scrição minuciosa <strong>da</strong><br />

morte do animal (ressaltando-se que o minucioso usado aqui não se refere a uma<br />

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