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que o mesmo relesse a obra a seu modo, sem feri-la, somente dando a ela novos contornos. A relação dialógica entre o hipertexto e o hipotexto aconteceu de forma bastante coerente e principalmente, respeitosa. O cineasta soube, acima de tudo, incorporar a sua releitura os ideais de luta e denúncia que compunham o romance, e os retratou mostrando o flagelo da seca através de lentes sem filtro e tomadas de cena subjetivas, que inserem sem perdão o espectador à crua realidade dos personagens. A transposição da cena da morte da cachorra Baleia, tão lírica na obra escrita, não se mostrou menos comovente na sua passagem para o hipertexto, levando-se em consideração todas as dificuldades físicas que a mesma apresentava. Ao estudar a adaptação fílmica de um romance tão representativo como Vidas secas, pretendeu-se contribuir de forma direta para com os estudos que hoje relacionam a ruptura provocada pela leitura cinematográfica à tradição do texto literário, além da possibilidade real de somar a estudos já concluídos um novo olhar sobre o Modernismo e o Cinema Novo, movimentos tão fecundos quanto vitais no que se relaciona à produção de arte engajada e comprometida no Brasil. O romance Vidas secas e a catarse que ele provoca merecem sucessivas e elucidativas leituras. Essa obra desperta no pesquisador uma sensação de respeito, reverência, mas acima de tudo curiosidade intelectual. A história da família nordestina flagelada é, em si, muito comovente. Muito maior, porém, é o “estranhamento” provocado pelo contato direto com o entrelaçamento da narrativa, tão inteligente, tão intrigante e tão maleável, aberta a várias possibilidades de remontagens. A intersemiótica proposta na adaptação entre o hipertexto e o hipotexto de Vidas secas baseia-se, portanto, não na fidelidade à obra de origem, mas sim em uma nova leitura da mesma, independente, capaz de reviver, criticar e até mesmo recriar o texto base. O cineasta Nélson Pereira dos Santos, após a análise desta pesquisa, pode ser considerado duplamente vitorioso. Num primeiro momento, por ter conseguido transpor de forma tão coerente um romance marcado por delicadas nuances, e, em segundo, por oferecer a seguidas gerações a possibilidade de ver na tela uma obra literária tão importante, transposta com maestria. 88
O romance Vidas secas, às vésperas de completar setenta anos, já vendeu por volta de dois milhões de cópias, e pode ser lido em aproximadamente vinte e oito idiomas, em trinta e dois paises diferentes. Com certeza, ele deve muito de seu sucesso ao trabalho competente de Nélson Pereira dos Santos, que levou a saga da família nordestina ao conhecimento e reconhecimento do mundo. Pode-se concluir, portanto, que a hipótese lançada nesta pesquisa, baseada na idéia de que na transposição da montagem literária à cinematográfica o diretor Nélson Pereira dos Santos manteve o caráter de denúncia social da obra, se confirmou. Os limites deste trabalho encontram-se na abordagem mais aprofundada da recepção nacional ao filme Vidas secas, levando-se em consideração a dicotomia existente entre a opinião favorável da crítica cinematográfica, e a desfavorável, atribuída a grande massa. Futuras pesquisas devem, no entender da autora, ser realizadas com vistas a responder estes questionamento a respeito das opiniões contraditórias sobre o filme Vidas Secas ocorridas em meios distintos. O romance Vidas secas e sua adaptação cinematográfica são excelentes contribuições para a arte nacional, voltada a lançar o olhar do Brasil para si mesmo, como um gigante que desperta para os seus, as vidas que, ainda que secas, teimam em continuar o seu caminho. 89
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