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Miolo Bioma _CS3.indd - Instituto Paulo Freire

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Histórias de Aprender-e-ensinar para mudar o mundo<br />

está unida à mãe em um processo que a psicologia chama de simbiose, ou seja, seria como se<br />

a mãe, sua voz, seu rosto e tudo mais fosse uma extensão do bebê. Lacan (1998), usando o<br />

espelho como metáfora, explica que, nos primeiros meses de vida, a criança olha-se no espelho<br />

e percebe sua imagem como se fosse um outro corpo real, do qual tenta aproximação e até se<br />

apoderar. Nesse momento, ela não possui uma imagem da totalidade de seu corpo, o qual se<br />

confi gura despedaçado (corps morcelé). Aos poucos, percebe que o refl exo no espelho não é um<br />

ser real, mas uma imagem e, por isso, pára de procurá-lo atrás do espelho. E, fi nalmente, em<br />

uma última fase, reconhece que a imagem é o refl exo de si; ocasião em que se nota um grande<br />

interesse pelo movimento do corpo, pela ação e por brincar.<br />

Resulta que somente após um processo lento e gradual a criança começa se aperceber no<br />

mundo como um ser autônomo, sendo que dependerá sobretudo da qualidade e do suporte do<br />

vínculo parental estabelecido para que ocorra o salutar desenvolvimento da autonomia com<br />

confi ança, equilíbrio e plenitude.<br />

Poderíamos então notar que em ambos os casos mencionados, tanto o homem primitivo quanto<br />

o bebê pertenceram a um estágio de mergulho no inconsciente, isto é, estiveram imersos em<br />

um todo indiferenciado cuja discriminação inexiste. Não há constituição do ego/eu. Portanto,<br />

resguardadas as diferenças, podemos traçar uma analogia entre a passagem ao estágio de Homo<br />

sapiens sapiens 15 , pelo menos no que tange o desenvolvimento da consciência, como equivalente<br />

ao que ocorre com uma criança entre o nascer e os primeiros meses de vida.<br />

Dessa forma, análogo à criança, o ser humano foi experimentando a vida e formando seu<br />

ego. Inevitavelmente, chamamos isso de “evolução”, o que, de certo modo, signifi ca dizer que<br />

atribuímos à evolução tudo que pertence à consciência, os aspectos formais, racionais e todos<br />

os códigos normativos, jamais aspectos do inconsciente como, por exemplo, a criatividade, o<br />

sentimento, a sensação ou a intuição.<br />

Entender esse processo, ajuda-nos a compreender o caminho da história humana até chegar<br />

ao panorama atual.<br />

Saímos de um estágio de vida planetária primitiva, indiferenciado e predominado pelo estado<br />

inconsciente, regido pelos instintos de sobrevivência cujo centro da vida era identifi cado na<br />

coletividade, sem discriminação ou noção de autonomia. Deu-se, por essa via, o processo histórico de<br />

mundo que hoje conhecemos. O ser humano então começa a ter consciência, experimentar o mundo,<br />

conhecer instrumentos, mecanismos e, fi nalmente, adquire conhecimento. Em seguida, inicia-se<br />

o processo de trabalho e o Homo sapiens é fragmentado, torna-se quase somente Homo faber,<br />

15 Homo sapiens (homem sábio): nome da espécie homem na nomenclatura de Lineu, cunhado pela primeira vez na obra Sistema da<br />

Natureza, em 1735. Mais adiante a expressão foi retomada por Henri Bergson (2006) para indicar o homem, único animal inteligente<br />

em face aos demais.<br />

Homo faber (homem artífi ce): locução também empregada por Henri Bergson (2006) para designar o homem primitivo ante a necessidade<br />

de forjar ele próprio os utensílios indispensáveis à manutenção da vida. ARENDT (1991), ao retomar tal conceito, produz um<br />

bom apanhado crítico sobre o histórico do Homo faber.<br />

Homo ludens (homem lúdico): refere-se à importância do lúdico, inerente ao homem, nas realizações humanas, especialmente nas<br />

de caráter intelectual. O historiador holandês Huizinga (2001) foi um dos primeiros a enfatizar o termo, que deu origem a um movimento<br />

contracultural que se opõe ao Homo faber, isto é, aquele que faz.

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