Miolo Bioma _CS3.indd - Instituto Paulo Freire
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Parte 4 – Caderno de Atividades<br />
e exclusiva, a qual fazia o ser humano aderir ao espaço, tornando-o posse, inclusive dando-lhe<br />
o direito de reaver a propriedade ao detentor por diversas maneiras (D’AMBROSIO, 2001). Na<br />
idéia de “descoberta” − palavra cujo fascínio semântico tanto ludibriou −, imprime-se a posse<br />
do outro, a qual anula, despreza a origem e, ainda, consegue fazer incutir no “descoberto”<br />
a mesma crença. A isso, em outras palavras, Gambini (2000) coloca que a formação de nossa<br />
identidade já parte de uma história fantástica, a qual, à diferença de outros povos, surge como<br />
conseqüência de um feito extraordinário. Tal idéia:<br />
[...] implica que tudo que estava ali apenas à espera de ser achado, como um tronco<br />
fl utuante que o mar traz até a praia, como se a vastidão toda fosse terra de ninguém.<br />
Quando um sujeito se apossa de um objeto não identifi cado, imediatamente surge a<br />
noção de que os habitantes dessa terra sem nome, sem dono e sem passado estavam<br />
ali como peças de cenário, desprovidos de qualquer direito, até mesmo o de poderem<br />
continuar sendo o que sempre haviam sido (GAMBINI, 2000, p. 21).<br />
O tema da conseqüência da idéia de Paraíso que habitava a mente dos colonizadores<br />
europeus já foi exaustivamente discutido por autores como Bellah (1994), Gambini (2000),<br />
Holanda (1969), Junqueira (2001a, 2001b, 2003) e até, de certo modo, Tocqueville (1977).<br />
Prevaleceu, nesse confl ito, a concepção do colonizador, do estrangeiro, do outro que fez<br />
com que a Terra e todos os recursos naturais, outrora bem comuns, fossem transformados e<br />
submetidos ao pensamento “lógico”, isto é, ao sistema cultural, sociopolítico e econômico da<br />
metrópole. Usurpou-se a identidade alheia e tudo nela envolvido, fazendo-nos um mal pior,<br />
crer que nossa era a identidade e desejo do outro. Construímos e incorporamos a identidade<br />
daquele que estabelecia uma relação apenas de uso para fi ns próprios de acúmulo de riqueza<br />
em forma de bens, sem que houvesse qualquer comprometimento com a Terra, pois não havia<br />
sentimento de pertença, ou identifi cação. As terras exploradas não pertenciam a ninguém, mas<br />
sim a quem as “descobrissem”; o outro que ali vivia era selvagem, fértil forma humana a serviço<br />
de projeções européias que ora o identifi cava como mal, ora como bon sauvage, tal qual Rousseau<br />
veio a propor mais tarde; porém, o que ninguém enxerga era o que ali factualmente estava. O<br />
sentimento de bem comum, preocupação ambiental ou respeito ao lugar do outro, as diferenças<br />
e valores semelhantes são invenções contemporâneas deveras incipientes, que só vieram à tona<br />
por questões emergenciais, falta de saída, medo e outros quesitos ainda impulsionados pela<br />
lógica individualista de uma política neoliberal que quer preservar para salvar o próprio pescoço<br />
ou, quando muito elaborado, de gerações ‘suas’ futuras...o outro? Quem é o outro?<br />
Contudo, as atividades educacionais propostas que seguem neste livro com certeza não<br />
resolverão grandes questões ambientais ou salvarão o mundo, mas lançaram nas mãos de quem<br />
as fez, de quem participou delas e lançarão nas de quem agora nos lê sementes; um fi o de<br />
refl exão que poderá multiplicar uma idéia.<br />
Já passa da hora de trabalhar, em escolas, a transdisciplinaridade, fundamentada em um<br />
pensamento que vê, quer e enxerga a vida de modo fl uido, sistêmico, interligado e relacionado<br />
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