Miolo Bioma _CS3.indd - Instituto Paulo Freire
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Histórias de Aprender-e-ensinar para mudar o mundo<br />
Nesse cenário, não fi ca tão difícil compreender qual rumo a concepção de propriedade tomou<br />
em nossa história. O ser humano antes coletivo não conseguia se diferenciar da coletividade, do<br />
seu meio, o qual o incorporava para si. Então, parte para o pólo oposto, individualiza cada vez<br />
mais sua ação e fragmenta seu ser em busca da amplitude do conhecimento, de novos valores<br />
e, por conseguinte, reconhecimento social. Ocorre, portanto, a inversão de uma ordem que<br />
outrora se estruturava em uma instância macro, para o universo micro.<br />
A intenção é “reduzir”, não como se começa a apregoar na atualidade, em termos de<br />
estabelecer uma redução que pretende frear o consumo excessivo, economizar a fi m de evitar<br />
o esgotamento, para preservar, não!<br />
A idéia é outra, a redução havia de ocorrer porque a construção epistemológica pautava-se<br />
exclusivamente no método cartesiano, que se não teve êxito em bem conduzir a própria razão e<br />
encontrar a Verdade nas ciências 16 , com certeza levou o humano à fragmentação que, por meio do<br />
processo de frenesi pela divisão do método científi co, conduziu sim o próprio pensamento ao seu<br />
menor grau de escala, ao direcionar o pensar sob a tutela da valoração do que se pretende conseguir<br />
a partir do secionamento, até chegar ao tamanho mínimo, e muito melhor se o resultado for obtido<br />
em tempo mínimo, adaptável ao menor espaço, com custo mínimo, tal qual se aprecia nos celulares,<br />
palmtops e afi ns. A isso, denominamos tecnologia. A tentativa é reduzir, por exemplo, os objetos<br />
para que caibam em qualquer lugar que estejamos, pois tudo deve se adequar à utilidade, ao nosso<br />
serviço e desejo − ao encontro do legado cartesiano. Na mesma vertente, há de se reduzir também o<br />
tempo de tudo, que por curiosa contradição, quando atingido, serve para que se obtenha mais tempo<br />
para fazer mais, nunca menos; uma lógica temporal inatingível. Vale aqui ressaltar que não se trata<br />
de consubstanciar uma crítica alicerçada em um pensamento nostálgico, purista ou ingênuo, que<br />
rema na contramão do progresso ou da tecnologia, a qual, diga-se de passagem, é extremamente<br />
útil e bem-vinda, mas a pretensão é refl etir sobre o ônus que nos acarretou esse mergulho da busca<br />
do conhecimento/consciência, pois ao que parece essa imersão, talvez, chegue − se já não estiver<br />
− em fundo equivalente àquele dos nossos antepassados, porém pelo lado inverso.<br />
Submerso nessa condição, a visão de mundo do ser humano acabou também reduzindo seu<br />
olhar somente ao local setorial, voltado ao micro, sem fazer a ponte com o macro, pois em tal<br />
estado de fragmentação impossível seria sopesar o fi el da balança, o qual inevitavelmente pendeu<br />
apenas para um único lado. Longe da proposta de Pascal − que antecipava a transdisciplinaridade<br />
− de que “o todo está na parte e a parte está no todo” (PASCAL apud MORIN, 2000, p. 81). Não<br />
havia chance ao olhar holístico inserido em movimento espiral, mas somente o de estrutura<br />
piramidal que corria em lado único e exclusivamente vertical.<br />
A “descoberta” colonizadora − melhor colocada sobre o termo “invasão” (GAMBINI, 2000) − soube<br />
instaurar os ensinamentos adquiridos desde os códigos romanos de propriedade, caracterizados<br />
pelo direito absoluto e pleno que davam garantias de poder de uso, gozo e disposição perpétua<br />
16 Referência ao subtítulo da notória obra de Descartes Discurso [sobre o] do Método, conforme segue: “Para Bem Conduzir a<br />
Própria Razão e Procurar e Verdade nas Ciências” (DESCARTES, 1996, p. 61).