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REVISTA TERENA 2 EDIÇÃO

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estampavam a capa da revista do New York Times, integrando um editorial de moda. Criticada

por antropólogos que viam nas fotos uma relação de desigualdade, a artista daria sua resposta

alguns anos depois no jornal O Estado de São Paulo, em 1975: “como observa o antropólogo

Lévi-Strauss, nós vivemos ‘em tempos de culturas paralelas’, não de culturas ‘civilizadas e

primitivas’” (p. 166).

Pouco antes de viajar para a edição especial de Realidade, Andujar enviara proposta

para obter uma bolsa da Fundação John Simon Guggenheim. No ano seguinte, com a resposta

afirmativa, decidiu dedicar-se a um único povo. O amigo e etnógrafo René Fuerst, que lhe havia

indicado aos Xikrin, sugeriu que fosse aos Yanomami, recomendando-lhe a uma pequena

missão católica instalada no rio Catrimani. Vale lembrar que, à época, a antropologia

estadunidense acreditava ter reencontrado nesse mesmo povo a figura do selvagem em estado

natural. Em Yanomami: o povo feroz (1968) – um dos livros mais vendidos de etnologia

americanista – Napoleon Chagnon descreve uma sociedade sem nenhum tipo de governo,

vivendo em estado crônico de guerra.

Ao longo dos anos, Andujar desenvolveu uma linguagem própria para trabalhar

com os Yanomami. Por conta da dificuldade de fotografar na mata fechada, precisou utilizar

filmes de alta sensibilidade e velocidades de 1/8s e 1/15s, com abertura de f3.5 no diagrama,

que borrava os movimentos mais rápidos. Aproveitando-se da situação, espalhava vaselina nas

bordas da lente da câmera, criando um desfoque radial que conferia atmosfera onírica às

imagens. Durante seu mergulho nas atividades diárias, nas longas expedições de caça ou nas

festas e rituais, a preocupação documental e o rigor factual foram cedendo espaço para uma

série de experimentações visuais. Há nessas imagens elaborados jogos de ângulos, testes de luz

e sombra, paisagens transfiguradas por cores extravagantes e inúmeras aparições fantasmáticas,

instaurando uma sofisticada relação entre o visível e o invisível – tema fundamental nas

cosmologias amazônicas. Essa não-iconicidade apontava para uma dimensão nãorepresentacional

da imagem, operando como índice ao invés de ícone.

“Na época não me importava não entender a língua dos Yanomami. Nós nos

entendíamos com gestos e mímica. As respostas, encontrava no olhar. Não sentia a falta de

troca de palavras. Queria observar, absorver, para recriar em forma de imagens o que sentia.

Talvez o diálogo iria até interferir. Só mais tarde, quando acabei de fotografar, eu procurei a

comunicação verbal. Fotografar é processo de descobrir o outro e, através do outro, si mesmo”

– escreveu a fotógrafa em 1975 (p. 101).

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