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Essa estratégia passou despercebida até por Darcy Ribeiro, que acreditando terem
os Terena se convertido efetivamente ao cristianismo, disse certa vez que entre os diversos
povos indígenas que se poderiam considerar civilizados, “[...] os Terena são os únicos que
chegaram a experimentar uma efetiva conversão religiosa. Com efeito, a conduta dos Terena
protestantes, tanto no culto como na vida diária, é quase indistinguível da de qualquer população
rural pobre” (RIBEIRO, 1982, p. 409).
A conversão religiosa nos moldes da interpretação de Ribeiro não se deu de forma
definitiva ou total, haja vista que a produção antropológica recente 24 tem demonstrado que essa
etnia ainda manifesta seu respeito e culto aos rituais xamânicos, bem como não perdeu seus
referenciais ontológicos, ou na expressão de Geertz (1989), seu Ethos e visão de mundo 25 . Para
Acçolini (2015, p. 146 grifos no original), a conversão ao cristianismo se deu a partir da “[...]
apropriação dessa crença religiosa, mas concebida nos moldes da cultura terena e em paralelo
com a reelaboração do sistema xamânico, o que denominamos de processo de terenização do
protestantismo”. Sobre o tema, Ortiz e Moura (2018, p. 117), subsidiados pelas análises de
Carvalho (1996), esclarecem que o povo terena não realizou uma substituição de sua visão de
mundo, de seu ethos, “[...] por outras veiculadas pelas religiões cristãs. Destacamos que essa
visão de mundo foi experimentando mudanças no processo secular de contato, mas não
propriamente em decorrência de uma incorporação total da visão de mundo veiculada pelo
Cristianismo.”. O que houve, então, foi uma espécie de hibridação controlada, nos termos da
acepção de Canclini (2007, p. XIX) para o conceito de hibridação “[...] processos socioculturais
nos quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para
gerar novas estruturas, objetos e práticas”. Nessa hibridação controlada, os Terena escolheram
– e escolhem – os signos socioculturais mais plausíveis de serem manejados a favor de seus
interesses.
Citando Vargas (2003), Ximenes (2011, p. 70) explica que a formação de comissões
pelos Terena operacionalizavam estratégias com o objetivo de “cobrar do governo os serviços
prestados, obtendo assim os objetos de que precisavam, além de pressionar as autoridades para
efetuarem a demarcação de seus territórios”, a autora lembra ainda que “Ao longo da História
24
Veja os trabalhos etnográficos de Levi Marques Pereira (2009), Andrey Cordeiro Ferreira (2002; 2007), Graziele
Acçolini (1996; 2004), Noêmia dos Santos Pereira Moura (2009), Carolina Perine de Almeida (2013), Jorge
Eremites de Oliveira e Levi Marques Pereira (2012) e Lílian Raquel Ricci Tenório (2015).
25
Para Geertz, ethos e visão de mundo são categorias antropológicas que fundamentam os aspectos morais e
estéticos de uma cultura. Ethos delimita os sentidos atinentes aos valores (caráter, qualidade de vida, estilo moral
e estético), já o conceito de visão de mundo abrange as características cognitivas e existenciais (o
autoconhecimento, idiossincrasias a respeito da natureza, da sociedade, das coisas do mundo).