EXAME Moz 86
Edição de Março da EXAME, com tema de capa sobre a CTA, dossier sobre a nova lei laboral e um especial inovação com ênfase, nesta edição, na importância do ensino para a promoção da inovação
Edição de Março da EXAME, com tema de capa sobre a CTA, dossier sobre a nova lei laboral e um especial inovação com ênfase, nesta edição, na importância do ensino para a promoção da inovação
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GLOBAL AMAZÓNIA
CARLOS NOBRE:
Para o cientista, a Indústria
4.0 oferece uma oportunidade
única de “saltar etapas”
Essa visão está presente na reformulação
que a Superintendência da Zona Franca
de Manaus promove no Centro de Biotecnologia
da Amazónia. O CBA, em tese,
devia fomentar o desenvolvimento tecnológico
na região. O projecto foi criado
em 2002, em Manaus, para estimular a
investigação na área biológica, e conta
com uma estrutura de 12 mil metros quadrados
onde funcionam 25 laboratórios.
Em 2018, o governo de Michel Temer já
havia elaborado um plano para aproximar
o CBA do sector privado. Apesar
dos 65 milhões de reais (15 milhões de
dólares) gastos pelo governo, a avaliação
era de que poucas pesquisas haviam
resultado em negócios. Foi feito um edital
para transformar o centro numa organização
social, vencido pela Aliança para
a Bioeconomia da Amazónia, um grupo
formado por diversas instituições de pesquisas,
entre as quais a Fundação Oswaldo
Cruz. O governo Bolsonaro, no entanto,
revogou o edital. Em vez da pesquisa de
base, a ideia é ter como objectivo a atracção
de grandes empresas de biotecnologia.
“Não vamos mais desenvolver pesquisas
que levam anos e não resultam em
O DESENVOLVIMENTO
BASEADO NA POSSE
DA TERRA É UM MODELO
DO PASSADO
REUTERS
nada”, diz Fábio Calderaro, que assumiu
o comando do CBA no início de 2019.
A sua intenção é dar uma missão mercantil
ao centro, com apoio ao desenvolvimento
de produtos e negócios. Para Nobre, a
estrutura actual de produção de conhecimento
na Amazónia é, de facto, obsoleta.
A diferença em relação à visão de Calderaro
é que, para ele, de nada adianta criar
hubs de inovação para a iniciativa privada
se as empresas não puderem contar com
universidades que despejam no mercado
capital humano e intelectual, assim como
o ITA fez com a Embraer e outras empresas
em seu redor durante décadas. “Nos
Estados Unidos, a maior parte dos investimentos
em pesquisa académica vem do
governo”, refere o investigador. Dados da
Fundação Nacional da Ciência, uma agência
americana para a inovação, mostram
que o governo federal e os locais responderam
por mais de 60% do financiamento
de investigações académicas no país em
2016 (último dado disponível). Considerando
o cenário de investigação como um
todo, a proporção inverte-se: 7 de cada
10 dólares aplicados vêm das empresas.
A geógrafa americana Susanna B. Hecht,
da Universidade da Califórnia, uma das
maiores especialistas do mundo em economia
da Amazónia, alerta que todos os
governos brasileiros, até hoje, partilham a
mesma visão desenvolvimentista equivocada
em relação aos seus recursos naturais.
“É uma opção por um desenvolvimento
baseado na posse da terra, um modelo que
remete para o passado”, afirma. A alternativa
seria a criação de plataformas abertas
de geração de conhecimento. Essa é uma
diferença, por exemplo, entre os estados
americanos da Califórnia e do Mississippi.
No primeiro caso, a opção é pela ciência e
tecnologia. Não foi por acaso que Silicon
Valley nasceu aí. “Já o Mississippi vende
commodities”, diz Susanna. No Brasil, é
preciso olhar para a Indústria 4.0. “Vivemos
uma fase de transição, a chamada
Quarta Revolução Industrial. O que nos
oferece uma oportunidade única de pular
etapas na industrialização e, finalmente,
alinharmo-nos com os países desenvolvidos”,
afirma Nobre. No passado, o sonho do
marechal Montenegro parecia um delírio.
Mas o tempo provou que estava certo.b
66 | Exame Moçambique