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Soma-se a isso que os meios internacionais de comunicação continuam a referir-se, como já<br />
disse, à eventual migração de hordas famintas, semicivilizadas (o que eqüivale a dizer<br />
semibárbaras) aos bem abastecidos países europeus, que vivem no regime consumista ocidental.<br />
Pobre gente, cheia de fome e vazia de idéias, que então entraria em choque com o mundo<br />
livre, sem compreendê-lo – mundo este que, em certos aspectos, poderia ser qualificado de supercivilizado<br />
e, em outros, de gangrenado!<br />
O que resultaria desse entrechoque, quer na Europa invadida, quer, por reflexo, no antigo<br />
mundo soviético? Uma Revolução autogestionária, cooperativista, estruturalo-tribalista 89 , ou,<br />
diretamente, um mundo de anarquia total, de caos e de horror, que não vacilaríamos em qualificar<br />
de V Revolução?<br />
No momento em que esta edição vem a lume é manifestamente prematuro responder a tais<br />
perguntas. Mas o futuro se nos depara tão carregado de imprevistos que amanhã talvez já seja<br />
demasiadamente tarde para fazê-lo. Pois, qual seria a utilidade dos livros, dos pensadores, do que,<br />
enfim, reste de civilização, em um mundo tribal no qual estivessem desatados todos os furacões das<br />
paixões humanas desordenadas e todos os delírios dos “misticismos” estruturalo-tribalistas? Trágica<br />
situação essa, na qual ninguém seria alguma coisa, sob o império do Nada...<br />
* * *<br />
Gorbachev continua em Moscou. E lá permanecerá, pelo menos enquanto não se decida a<br />
aceitar os convites altamente promocionais que se açodaram a lhe fazer, pouco depois de sua queda,<br />
os reitores das prestigiosas Universidades de Harvard, Stanford e Boston 90 . Isto, se ele não preferir<br />
aceitar a hospedagem régia que lhe ofereceu Juan Carlos I, Rei da Espanha, no célebre palácio de<br />
Lanzarote, nas Ilhas Canárias 91 , ou a cátedra a que fora convidado pelo famoso Collège de France<br />
92 .<br />
Ante tais alternativas, o ex-líder comunista, derrotado no Oriente, parece só ter o embaraço de<br />
escolha entre os convites mais lisonjeiros no Ocidente. Até o momento, ele apenas se decidiu por<br />
escrever uma série de artigos para uma cadeia de vários jornais do mundo capitalista, mundo este<br />
em cujas altas esferas continua a encontrar um apoio tão fervoroso quanto inexplicável. E a fazer<br />
uma viagem aos Estados Unidos, cercado de grande aparato publicitário, a fim de conseguir fundos<br />
para a chamada Fundação Gorbachev.<br />
Assim, enquanto Gorbachev está na penumbra em sua própria pátria – e, mesmo no Ocidente,<br />
vem tendo seu papel seriamente questionado -, magnatas do ocidente se empenham de diversos<br />
modos em manter as luzes de uma lisonjeira publicidade assestadas sobre o homem da perestroika,<br />
o qual, entretanto, durante toda a sua carreira política insistiu em dizer que essa reforma por ele<br />
proposta não é o oposto do comunismo, mas um requinte deste 93 .<br />
Quanto à frouxa federação soviética que agonizava quando Gorbachev foi precipitado do<br />
Poder, acabou por se transformar em uma quase imaginária “Comunidade de Estados<br />
Independentes”, entre cujos componentes se vêm acendendo sérias fricções, as quais causam<br />
preocupação a homens públicos e a analistas políticos. Tanto mais quanto várias dessas repúblicas<br />
ou republiquetas possuem armamentos atômicos que podem disparar, umas contra as outras (ou<br />
contra os adversários do Islã, cuja influência no mundo ex-soviético cresce dia a dia), com vivas<br />
apreensões para os que se preocupam com o equilíbrio planetário.<br />
89<br />
Cfr. Comentário de 1992 à Parte III, Capítulo II, sob o título: “Perestroika” e “glasnost”: desmantelamento da III Revolução, ou<br />
metamorfose do comunismo?<br />
90<br />
Cfr. “Folha de S. Paulo”, 21-12-91.<br />
91<br />
Cfr. “O Estado de S. Paulo”, 11-1-92.<br />
92<br />
Cfr. “Le Figaro”, Paris, 12-3-92.<br />
93<br />
Cfr. Comentário de 1992 à Parte III, Capítulo II, sob o título: “Perestroika” e “glasnost”: desmantelamento da III Revolução, ou<br />
metamorfose do comunismo?<br />
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