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déchets. stigmatisations, commerces, politiques ... - Viva Rio en Haiti

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106 | LIXO<br />

Numa escala bem m<strong>en</strong>or e inserido em uma<br />

rede difer<strong>en</strong>te de instituições e fi nanciadores, o<br />

projeto des<strong>en</strong>volvido pelo clube Atletic d’Ayiti,<br />

em Cité Soleil, apres<strong>en</strong>ta outras virtualidades do<br />

campo da interv<strong>en</strong>ção no domínio do lixo. Trata-se<br />

de uma parceria <strong>en</strong>tre duas equipes, uma da Université<br />

de Lyon e a outra da Université Quisqueya<br />

(Porto Príncipe). A iniciativa é tocada por um aluno<br />

francês de doutorado (deverá resultar numa tese)<br />

e conta com o apoio em capital e infraestrutura<br />

do dono do clube. O eixo é a reciclagem de lixo<br />

que caminhões do Ministério de Obras Públicas<br />

trazem por <strong>en</strong>com<strong>en</strong>da da região do mercado<br />

Croix de Bossales, rica em matérias orgânicas. No<br />

projeto, trabalha uma dez<strong>en</strong>a de funcionários, dedicados<br />

a separar, limpar (inclusive saquinhos de<br />

água) e acondicionar o lixo não orgânico. O lixo<br />

orgânico é, por sua vez, utilizado para compostagem<br />

e cultivo de legumes a serem proximam<strong>en</strong>te<br />

comercializados na região. Prevê-se – embora não<br />

esteja claro como exatam<strong>en</strong>te – o estímulo à coleta<br />

nas arredores da sede por meio da compra do lixo<br />

dos moradores. Segundo o <strong>en</strong>carregado do projeto,<br />

o objetivo fi nal seria atingir uma população de<br />

200.000 habitantes.<br />

Para além das grandes ambições e da avaliação<br />

das possibilidades reais dessa iniciativa, interessa<br />

sublinhar a confi guração singular da qual<br />

ela faz parte: empresas privadas e instituições<br />

universitárias – no caso da equipe de Lyon, com<br />

uma longa trajetória na implem<strong>en</strong>tação de projetos<br />

semelhantes em diversas partes do mundo, em<br />

especial no contin<strong>en</strong>te africano.<br />

Os críticos ao projeto, uma vez mais, chamam<br />

a at<strong>en</strong>ção para a sua não sust<strong>en</strong>tabilidade (dep<strong>en</strong>d<strong>en</strong>te<br />

do apoio de um mec<strong>en</strong>as privado), para o fato<br />

de que ele <strong>en</strong>volve a substituição dos poderes<br />

públicos e, principalm<strong>en</strong>te, para dois outros elem<strong>en</strong>tos,<br />

que também estariam pres<strong>en</strong>tes nas críticas<br />

ao projeto do PNUD: o fato, como diria um especialista<br />

da AFD, de que esses projetos confundem<br />

limpeza das ruas com tratam<strong>en</strong>to de lixo, s<strong>en</strong>do<br />

que a reciclagem (que é o ponto alto dessas iniciativas),<br />

da perspectiva deles, não seria sufi ci<strong>en</strong>te<br />

para fi nanciar o custo da limpeza e da gestão do<br />

lixo numa cidade como Porto Príncipe. Para além<br />

disso, há o fato de que nada garantiria a transferência<br />

de tecnologia e a gestão posterior das instituições<br />

do Estado (elem<strong>en</strong>to igualm<strong>en</strong>te sublinhado<br />

por ag<strong>en</strong>tes do Ministério de Obras Públicas,<br />

por exemplo).<br />

Tais discussões possuem, é claro, uma <strong>en</strong>orme<br />

carga política. Há posições que exigem que o<br />

Estado se <strong>en</strong>carregue do problema, mesmo sab<strong>en</strong>do<br />

que lidar com lixo “é algo necessariam<strong>en</strong>te defi<br />

citário” e, por isso mesmo, deveria ser um dever<br />

dos poderes públicos. E há aquelas que <strong>en</strong>fatizam<br />

a participação comunitária e promovem formas de<br />

autogestão e de autofi nanciam<strong>en</strong>to, argum<strong>en</strong>tando<br />

em termos de autossust<strong>en</strong>tabilidade, mas contando<br />

sempre, paradoxalm<strong>en</strong>te, com apoios externos<br />

a fundo perdido, sejam de órgãos internacionais<br />

ou de empresas privadas.<br />

Nesse debate, merece at<strong>en</strong>ção a t<strong>en</strong>tativa do<br />

GRET que, por ocasião da pesquisa, esperava a<br />

aprovação de um projeto piloto de coleta de lixo<br />

na região de Martisans. As técnicas de “<strong>en</strong>g<strong>en</strong>haria<br />

social” implem<strong>en</strong>tadas pelo GRET em outros domínios<br />

(notadam<strong>en</strong>te os quiosques de água) estão<br />

pautadas, ao m<strong>en</strong>os em tese, na instalação do projeto<br />

e em sua transferência imediata à comunidade<br />

(via comitês), em parceria com instâncias do Estado,<br />

visando também uma rápida retirada da zona.<br />

A iniciativa prevê a articulação das redes de coleta<br />

com sistemas de pagam<strong>en</strong>to pela população. Tratase<br />

de mais um ponto polêmico: deve-se ou não exigir<br />

de parte da população pobre dessas zonas o pagam<strong>en</strong>to<br />

pela coleta do lixo? O GRET considera que<br />

sim – como no caso do aprovisionam<strong>en</strong>to de água<br />

– mas m<strong>en</strong>os como forma de dar sust<strong>en</strong>tabilidade<br />

aos projetos e mais como uma via para estimular a<br />

cidadania e cultivar a noção de direitos.<br />

Um último ponto de debate ainda precisa ser<br />

m<strong>en</strong>cionado. Ele surgiu de forma crítica, claram<strong>en</strong>te<br />

junto a funcionários <strong>en</strong>carregados de dirigir a<br />

Célula de Gestão do Lixo Sólido do Ministério de<br />

Obras Públicas e de algumas agências internacionais,<br />

como a AFD. Trata-se da relação <strong>en</strong>tre as políticas<br />

vinculadas à coleta e ao tratam<strong>en</strong>to de lixo<br />

e as iniciativas de estabilização e combate à violência.<br />

Dessa perspectiva, trata-se de uma associação<br />

arriscada em dois s<strong>en</strong>tidos: ela não resolveria<br />

o problema do saneam<strong>en</strong>to a longo prazo e poderia<br />

criar grandes frustrações que produziriam ainda<br />

mais violência. A solução do problema do lixo<br />

exigiria políticas e orçam<strong>en</strong>tos específi cos de longo<br />

termo, difer<strong>en</strong>tes das verbas dos programas de<br />

estabilização, necessariam<strong>en</strong>te pontuais e de curto<br />

prazo. Além disso, segundo eles, a associação <strong>en</strong>tre<br />

a limpeza dos bairros pobres e a geração de empregos<br />

para os moradores, algumas vezes <strong>en</strong>volve<br />

grandes mobilizações, criação de expectativas e o

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