déchets. stigmatisations, commerces, politiques ... - Viva Rio en Haiti
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O preço do serviço varia em função da quantidade<br />
de latrinas a serem limpas, de sua profundidade<br />
e estado de conservação, o que pode exigir<br />
uma equipe maior com mais de um carro de mão<br />
e mais droums. Observamos variações de preços<br />
<strong>en</strong>tre 600 e 1200 gourdes por latrina. Parte dos lucros<br />
destina-se ao pagam<strong>en</strong>to do aluguel dos instrum<strong>en</strong>tos<br />
de trabalho. Em Fortouron, um casal<br />
possui duas barracas destinadas ao equipam<strong>en</strong>to<br />
que alugam a estes profi ssionais. A calçada em<br />
fr<strong>en</strong>te a essas barracas, na Rue La Saline, é tida como<br />
a base, onde os carros de mão fi cam estacionados<br />
ao longo do dia. Ev<strong>en</strong>tualm<strong>en</strong>te, estes também<br />
podem ser alugados para outros serviços.<br />
Interessa sublinhar o caráter estigmatizado<br />
da atividade. São vários os relatos sobre agressões<br />
sofridas <strong>en</strong>quanto os bayakous se dirigem aos locais<br />
de trabalho ou de descarga (inclusive apedrejam<strong>en</strong>tos)<br />
e sobre a necessidade de não fazer barulho<br />
<strong>en</strong>quanto trabalham, o que é materialm<strong>en</strong>te<br />
impossível, pois todos os vizinhos sabem quando<br />
há bayakous por perto, limpando latrinas.<br />
A estigmatização se apres<strong>en</strong>ta de forma mais<br />
crua no mom<strong>en</strong>to da descarga, uma atividade clandestina<br />
devido às proibições legais. Na região pesquisada,<br />
o ponto de descarga é Titany<strong>en</strong>. Todos os<br />
bayakous coincidem em relatar a necessidade de<br />
dar propinas às pessoas que controlam o local,<br />
qualifi cados como “chefes” da área.<br />
No <strong>en</strong>tanto, apesar da estigmatização, pudemos<br />
observar que a atividade dos bayakous é valorizada<br />
por eles e também pela população que reside<br />
nos <strong>en</strong>tornos da base. Os bayakous não chegam<br />
sozinhos. Junto com eles, surgem também v<strong>en</strong>dedores<br />
de bebidas e de comidas e vários jov<strong>en</strong>s, hom<strong>en</strong>s<br />
e mulheres. A reunião des<strong>en</strong>rola-se no fi m da<br />
tarde e no início da noite, quando surge a música,<br />
e a região se <strong>en</strong>che de alegria e dança (foto 38). A<br />
27 Sobre a localização das latrinas, as práticas fecais e<br />
valores associados ao pudor nas áreas rurais, ver Huges<br />
Foucault e Nelson Sylvestre “Etude des pratiques de<br />
défécation dans le Nord-Ouest”, Faculté d’Ethnologie,<br />
Université d’Etat d’Haïti, 2009.<br />
28 O tema das relações de gênero na geração de dinheiro,<br />
nesse mundo social, merece com<strong>en</strong>tários que excedem<br />
as possibilidades deste texto. No <strong>en</strong>tanto, vale sali<strong>en</strong>tar<br />
o fato de que, como adiantamos na nota 22, os<br />
circuitos dos mercados são basicam<strong>en</strong>te femininos.<br />
29 O uso da magia e dos oráculos ligados ao vodu é cor-<br />
maior parte dos bayakous é relativam<strong>en</strong>te jovem e<br />
vem de outras áreas da cidade (o mais velho costuma<br />
ser o demachè). Eles são objeto de paquera<br />
por parte das moças, atraídas talvez pelo fato deles<br />
exercerem uma profi ssão e ganharem dinheiro,<br />
algo muito raro num mundo social cuja economia<br />
dep<strong>en</strong>de em boa medida das mulheres. 28 Há<br />
também difer<strong>en</strong>tes reputações <strong>en</strong>tre os bayakous,<br />
algumas vezes atribuídas — como em outros mercados<br />
haitianos — aos efeitos da maji. 29 E há relatos<br />
de verdadeiro êxito na profi ssão.<br />
Nesse s<strong>en</strong>tido, o caso mais notável é o de um<br />
antigo kokorat que também foi bayakou na base<br />
de Fortouron e que há vários atua anos em Cité<br />
Soleil, onde formou uma pequ<strong>en</strong>a empresa, s<strong>en</strong>do<br />
proprietário de seus instrum<strong>en</strong>tos de trabalho e de<br />
dois veículos, um próprio e o outro que divide com<br />
um sócio. Segundo ele mesmo nos relatou, at<strong>en</strong>de<br />
a cli<strong>en</strong>tes em toda a zona metropolitana e, dep<strong>en</strong>d<strong>en</strong>do<br />
do serviço, chama bayakous que integram<br />
a sua rede. Ele tem consciência da estigmatização<br />
que pesa sobre a sua profi ssão, mas dela se orgulha<br />
, bem como de sua trajetória de êxito.<br />
Essa história de sucesso permite fazer uma<br />
ponte com o item seguinte, no qual apres<strong>en</strong>tamos<br />
o mundo igualm<strong>en</strong>te diversifi cado das empresas<br />
privadas que tratam do lixo e das latrinas em Porto<br />
Príncipe.<br />
10. EMPRESAS<br />
Na zona metropolitana da cidade, atua uma<br />
série de empresas que, de uma forma ou de outra,<br />
estão relacionadas com o universo do lixo. Fizemos<br />
observações e <strong>en</strong>trevistas junto a Clean Rite,<br />
Jedco, Sanitec, Boucart e GS. Destas, só a última<br />
r<strong>en</strong>te no comércio e em outras atividades que geram dinheiro,<br />
seja como forma de se ter sorte ou de acusar os<br />
outros de usar os lwas para tanto. Sobre as relações <strong>en</strong>tre<br />
dinheiro e vodu, ver Jose R<strong>en</strong>ato Carvalho Baptista,<br />
“Tout mélange ankò – Dinheiro, mercados e fé: territórios<br />
contíguos, pontes, passag<strong>en</strong>s”, 2009; sobre a pres<strong>en</strong>ça<br />
da magia no cotidiano das pessoas, ver Flávia<br />
Freire Dalmaso, “A magia em Jacmel. Uma leitura crítica<br />
da literatura sobre Vodu haitiano à luz de uma experiência<br />
etnográfi ca”, 2009.<br />
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