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déchets. stigmatisations, commerces, politiques ... - Viva Rio en Haiti

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88 | LIXO<br />

local onde se conc<strong>en</strong>tram os mercados da cidade,<br />

ele forma verdadeiras barrag<strong>en</strong>s e uma camada espessa<br />

que cobre as ruas nas quais os v<strong>en</strong>dedores<br />

expõem suas mercadorias. Nuv<strong>en</strong>s de fumaça preta<br />

prov<strong>en</strong>i<strong>en</strong>te da queima do lixo são comuns na<br />

paisagem. O relatório do Banco Interamericano de<br />

Des<strong>en</strong>volvim<strong>en</strong>to (BID), publicado em 2006, estima<br />

a produção anual de lixo na capital em 2,75 milhões<br />

de toneladas. 4 Esse número não corresponde<br />

à quantidade recolhida, pois uma parte considerável<br />

– porém difi cilm<strong>en</strong>te quantifi cável – do lixo é<br />

abandonada, queimada, consumida por animais e<br />

reaproveitada. Segundo o relatório do BID, a taxa<br />

de recolhim<strong>en</strong>to do lixo só corresponde a 10-15%<br />

do total produzido. Além disso, as difi culdades da<br />

coleta devem-se igualm<strong>en</strong>te à má gestão e à falta<br />

de clareza quanto às atribuições dos diversos órgãos<br />

responsáveis, ministérios e prefeituras <strong>en</strong>carregados<br />

da limpeza e do tratam<strong>en</strong>to do lixo. Soma-se<br />

a isso a gestão defi citária e o estado deplorável<br />

do único lixão ofi cial da zona metropolitana<br />

(Truitier), a situação precária dos veículos <strong>en</strong>carregados<br />

do transporte e o suposto desperdício dos<br />

investim<strong>en</strong>tos feitos pela cooperação internacional<br />

desde os anos 1980, ori<strong>en</strong>tados a melhorar esse<br />

domínio da vida metropolitana. De fato, o “problema<br />

do lixo” transformou-se em uma das áreas<br />

privilegiadas de interv<strong>en</strong>ção no campo internacional<br />

da “ajuda para o des<strong>en</strong>volvim<strong>en</strong>to” no <strong>Haiti</strong>, o<br />

que justifi ca, por sua vez, a ação cresc<strong>en</strong>te de uma<br />

infi nidade de ONGs e as expectativas de articulação<br />

com estas últimas por parte das instituições<br />

governam<strong>en</strong>tais.<br />

Baseados em uma pesquisa etnográfi ca, de<br />

cunho qualitativo, nesta publicação apres<strong>en</strong>tamos<br />

as redes de transformação e de comercialização do<br />

lixo, a pluralidade de ag<strong>en</strong>tes <strong>en</strong>volvidos e de modalidades<br />

de compra / v<strong>en</strong>da, os mecanismos de<br />

formação dos preços, os difer<strong>en</strong>tes usos do lixo e<br />

as percepções da população acerca das ações das<br />

agências do Estado, da cooperação internacional e<br />

das ONGs.<br />

Tal perspectiva recupera aquela anteriorm<strong>en</strong>te<br />

des<strong>en</strong>volvida em relação à problemática da água<br />

na mesma área de Porto Príncipe (Neiburg & Nicaise<br />

2009), possibilitando a construção de uma visão<br />

compre<strong>en</strong>siva dos ag<strong>en</strong>tes, dos pontos de vista em<br />

jogo e da historicidade dos processos sociais <strong>en</strong>volvidos.<br />

A água e o lixo constituem duas áreas de<br />

interv<strong>en</strong>ção importantes para várias agências de<br />

cooperação, instituições governam<strong>en</strong>tais, ONGs e<br />

organismos internacionais. Há, porém, um contraste<br />

signifi cativo <strong>en</strong>tre ambos os universos, que<br />

permite acessar as abordag<strong>en</strong>s e as percepções difer<strong>en</strong>ciais<br />

exist<strong>en</strong>tes para ambos os “problemas”:<br />

<strong>en</strong>quanto a água é um elem<strong>en</strong>to a ser incorporado<br />

(comprado, consumido, estocado), o lixo <strong>en</strong>volve<br />

objetos a serem descartados por não possuírem<br />

mais valor, porque estão associados com a poluição,<br />

a sujeira e a do<strong>en</strong>ça, ou porque são transformados<br />

ou comercializados como fonte de <strong>en</strong>ergia,<br />

como insumos em ateliês na zona, ou nas grandes<br />

empresas ori<strong>en</strong>tadas para a exportação e a reutilização<br />

como matéria-prima.<br />

No <strong>Haiti</strong>, a gestão do lixo possui uma história<br />

que não pret<strong>en</strong>demos reconstruir de forma exaustiva<br />

neste trabalho. No <strong>en</strong>tanto, é importante frisar<br />

o fato de que ela passou por importantes mudanças<br />

a partir das décadas de 1970 e 1980, devido,<br />

<strong>en</strong>tre outros fatores, ao êxodo rural e à explosão<br />

urbana na zona metropolitana de Porto Príncipe,<br />

por ocasião do fi m da ditadura Duvalier (1958-<br />

1986) e o conseguinte <strong>en</strong>fraquecim<strong>en</strong>to do Estado<br />

também no que diz respeito aos serviços públicos<br />

e à infraestrutura urbana, e, por fi m, à ação maciça<br />

de ONGs, que passaram a desemp<strong>en</strong>har tarefas<br />

antes realizadas por instituições governam<strong>en</strong>tais,<br />

no campo cada vez mais d<strong>en</strong>so e disputado da cooperação<br />

internacional. Junto com outras – como<br />

saúde, meio ambi<strong>en</strong>te ou violência – lixo e água são<br />

áreas estratégicas de atuação nesse campo.<br />

Como já m<strong>en</strong>cionamos, a região na qual a etnografi<br />

a foi realizada é tida como uma das mais<br />

pobres e degradadas da zona metropolitana de<br />

Porto Príncipe, <strong>en</strong>tre outras coisas, justam<strong>en</strong>te pela<br />

pres<strong>en</strong>ça maciça de lixo e esgoto nas ruas. Isso<br />

relaciona-se ao fato de se tratar de uma área baixa,<br />

localizada à beira mar, sujeita a <strong>en</strong>ch<strong>en</strong>tes durante<br />

as chuvas e ao acúmulo de lixo prov<strong>en</strong>i<strong>en</strong>te<br />

das regiões mais altas da cidade. De fato, boa<br />

parte do lixo pres<strong>en</strong>te nesta região conc<strong>en</strong>tra-se<br />

nos canais Rockefeller e Delmas, por onde descem<br />

grandes quantidades de objetos e esgotos vindos<br />

dos bairros altos e mais ricos (como Pétion Ville e<br />

Delmas). Soma-se a isso o fato de que a região se<br />

confunde com os mercados mais importantes da<br />

cidade e, principalm<strong>en</strong>te, com o mercado Croix de<br />

Bossales, o maior mercado atacadista do país, um<br />

grande produtor de lixo orgânico que, até o pres<strong>en</strong>te<br />

mom<strong>en</strong>to, não conta com uma estrutura adequada<br />

para o tratam<strong>en</strong>to dos dejetos, nem tampouco<br />

com banheiros para os milhares de merca-

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