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déchets. stigmatisations, commerces, politiques ... - Viva Rio en Haiti

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1. INTRODUÇÃO<br />

O objetivo deste texto é oferecer um panorama<br />

amplo do universo social do lixo em uma área pobre<br />

e degradada da zona metropolitana de Porto Príncipe<br />

(<strong>Haiti</strong>), habitada por aproximadam<strong>en</strong>te 100.000<br />

pessoas. 1 Trata-se de resultados de um projeto de<br />

pesquisa sobre os mercados haitianos iniciado em<br />

2007 por uma equipe do Núcleo de Pesquisas em<br />

Cultura e Economia (NuCEC, Programa de Pós-Graduação<br />

em Antropologia Social, Museu Nacional,<br />

UFRJ), ligada ao Laboratório “Economia, Moeda,<br />

Mercado” do Institut Interuniversitaire de Recherche<br />

et Développem<strong>en</strong>t (INURED, <strong>Haiti</strong>). 2 Tal projeto<br />

origina-se igualm<strong>en</strong>te de uma solicitação da organização<br />

não governam<strong>en</strong>tal brasileira <strong>Viva</strong> <strong>Rio</strong> (VR)<br />

que, desde 2006, atua em Porto Príncipe na região<br />

da grande Bel Air (incluindo, a partir de 2008, uma<br />

parte fronteiriça ao município de Cité Soleil), promov<strong>en</strong>do<br />

ações t<strong>en</strong>d<strong>en</strong>tes à estabilização e à melhora<br />

da infraestrutura, notadam<strong>en</strong>te no que se refere<br />

à água, à saúde, ao saneam<strong>en</strong>to e ao lixo.<br />

Analisar o universo social do lixo permite tratar<br />

três assuntos importantes na estruturação do<br />

haitiano contemporâneo: (1) a dinâmica da produção<br />

de desigualdades e difer<strong>en</strong>ças sociais e as<br />

percepções a elas associadas, (2) a dinâmica da<br />

política (em geral, e das políticas públicas em especial)<br />

que se conforma na fronteira <strong>en</strong>tre a ação<br />

das instituições do Estado, das agências de cooperação<br />

internacional e das ONGs e (3) a dinâmica<br />

dos mercados e dos fl uxos comerciais, c<strong>en</strong>tral<br />

na estruturação da sociabilidade haitiana em ge-<br />

1 “La consommation d’eau à Bel-Air; Rec<strong>en</strong>sem<strong>en</strong>t Démographique”,<br />

Rubem César Fernandes e Marcelo de<br />

Sousa Nascim<strong>en</strong>to. Bel Air, 2007, Port-au-Prince, <strong>Haiti</strong>.<br />

2 Os principais objetivos do projeto “Moedas, Mercados<br />

e Nações. Uma etnografi a do/no <strong>Haiti</strong> em perspectiva<br />

comparada”, que conta com apoio do CNPq e da FAPERJ<br />

e é coord<strong>en</strong>ado por Federico Neiburg, são: (1) observar a<br />

organização espacial, a circulação de pessoas e objetos,<br />

os s<strong>en</strong>tidos sociais do dinheiro, da pluralidade monetária,<br />

das difer<strong>en</strong>tes unidades de medida e formas de<br />

intercâmbio; (2) examinar como os mercados inscrevemse<br />

em processos de escala temporal e espacial maiores,<br />

nos planos nacional e internacional, considerando uma<br />

variedade de ag<strong>en</strong>tes (compradores e v<strong>en</strong>dedores, atores<br />

políticos e militares, profi ssionais do des<strong>en</strong>volvim<strong>en</strong>to,<br />

instituições do Estado, agências internacionais etc.); e (3)<br />

ral e, especifi cam<strong>en</strong>te no caso do lixo, c<strong>en</strong>tral para<br />

compre<strong>en</strong>der os mecanismos de sobrevivência<br />

e a circulação de dinheiro <strong>en</strong>tre as camadas mais<br />

pobres da população (Ver mapa).<br />

O texto apres<strong>en</strong>ta as percepções que os moradores<br />

da área têm do lixo (o que é “lixo”? para<br />

quem?), 3 bem como os usos e circuitos dos difer<strong>en</strong>tes<br />

tipos de lixo (desde o simples “jogar fora”,<br />

até as formas de reutilização e comercialização).<br />

Trata-se, também, de contrastar as perspectivas<br />

das agências de interv<strong>en</strong>ção (governam<strong>en</strong>tais<br />

e não governam<strong>en</strong>tais) a respeito do lixo com<br />

aquelas da população local, oferec<strong>en</strong>do um mapa<br />

dos ag<strong>en</strong>tes e instituições que fazem parte desse<br />

universo social, incluindo difer<strong>en</strong>tes profi ssionais<br />

(as pessoas que “vivem do lixo”) como os catadores,<br />

os limpadores de ruas ou de latrinas, os intermediários,<br />

as empresas de limpeza, coleta e reciclagem,<br />

as instituições e os funcionários do Estado<br />

<strong>en</strong>carregados da gestão do lixo, as agências<br />

de cooperação internacional (multilaterais como<br />

PNUD e BID e governam<strong>en</strong>tais como AFD) e ONGs<br />

que implem<strong>en</strong>tam políticas fundadas em uma variedade<br />

de princípios. Tal mapeam<strong>en</strong>to possibilita,<br />

por sua vez, situar as ações des<strong>en</strong>volvidas nesse<br />

campo pelo VR.<br />

Qualquer pessoa que ande pelas ruas de Porto<br />

Príncipe pode constatar a onipres<strong>en</strong>ça do lixo, sua<br />

acumulação nas ruas, nos lixões improvisados nas<br />

esquinas, nas <strong>en</strong>costas e nos canais. Grandes caçambas<br />

semi-abandonadas transbordam nas vias<br />

públicas, difi cultando a circulação de pedestres e<br />

carros e impedindo o fl uxo da água das chuvas e<br />

dos esgotos. Particularm<strong>en</strong>te no c<strong>en</strong>tro histórico,<br />

contribuir, por intermédio da etnografi a dos mercados e<br />

das moedas no <strong>Haiti</strong>, para a compre<strong>en</strong>são da dim<strong>en</strong>são<br />

(inter)nacional da vida social haitiana, das interações<br />

<strong>en</strong>tre pessoas e coletivos sociais em uma perspectiva<br />

comparativa. O mundo do lixo, tanto no que diz respeito<br />

à infraestrutura e ao saneam<strong>en</strong>to dos próprios mercados<br />

quanto ao int<strong>en</strong>so reaproveitam<strong>en</strong>to e comercialização<br />

de objetos descartados, certam<strong>en</strong>te confi gura uma janela<br />

importante para esse projeto.<br />

3 Em termos gerais, podemos adotar uma defi nição<br />

operativa do que seja lixo como aquilo que é descartado<br />

por alguém para quem se tornou inútil. Trata-se de<br />

uma categoria situacional que dep<strong>en</strong>de de perspectivas<br />

e usos, na linha das ideias de Mikael Drackner (2005),<br />

inspiradas em Mary Douglas (1973).<br />

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