déchets. stigmatisations, commerces, politiques ... - Viva Rio en Haiti
déchets. stigmatisations, commerces, politiques ... - Viva Rio en Haiti
déchets. stigmatisations, commerces, politiques ... - Viva Rio en Haiti
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
100 | LIXO<br />
veria ser realizada ao m<strong>en</strong>os uma ou duas vezes<br />
por ano (foto 35).<br />
Nas microrregiões com poucas latrinas, como<br />
as anteriores, muito urbanizadas e igualm<strong>en</strong>te<br />
afastadas dos lixões, des<strong>en</strong>volvem-se outras práticas<br />
fecais. As pessoas podem fazer suas necessidades<br />
em sacos ou potes e jogá-las nos canais ou<br />
<strong>en</strong>costas. Há também outras técnicas, como a do<br />
chamado parachute: defecar em um saco plástico<br />
e jogá-lo pelo ar, o mais longe possível. Por várias<br />
razões, ligadas notadam<strong>en</strong>te ao pudor, em geral,<br />
essas ações acontecem no fi nal do dia ou à noite.<br />
O pudor é certam<strong>en</strong>te um tema c<strong>en</strong>tral no que<br />
diz respeito aos hábitos fecais. Ele <strong>en</strong>volve igualm<strong>en</strong>te<br />
a localização das latrinas, que raram<strong>en</strong>te são<br />
expostas na fr<strong>en</strong>te das habitações, o que evita que<br />
alguém seja visto na hora de nelas <strong>en</strong>trar ou sair. 27<br />
9. BAYAKOUS<br />
Na cidade de Porto Príncipe, não existe nem<br />
nunca existiu uma rede de esgotos domésticos para<br />
canalizar matérias fecais. Isso faz com que o uso<br />
de latrinas seja g<strong>en</strong>eralizado e, nos bairros mais<br />
favorecidos, sejam usadas fossas sépticas, não ligadas<br />
a redes.<br />
Como já dissemos, bayakou é a palavra utilizada<br />
para designar os profi ssionais que limpam<br />
manualm<strong>en</strong>te as latrinas tanto no âmbito urbano<br />
quanto no rural. Trata-se, mais uma vez, de um termo<br />
estigmatizante (usado para falar “deles”) e não<br />
de uma categoria de autoid<strong>en</strong>tifi cação. A profi ssão<br />
de bayakou, antiga no país, é a mais estigmatizada<br />
de todas as atividades exist<strong>en</strong>tes no mundo<br />
social haitiano. É masculina (não há mulheres)<br />
e acontece à noite, no escuro. Alguns profi ssionais<br />
mantêm suas id<strong>en</strong>tidades escondidas não só diante<br />
dos vizinhos, como também de suas próprias famílias.<br />
Conversamos com bayakous que exercem<br />
essa atividade publicam<strong>en</strong>te e também com vários<br />
que m<strong>en</strong>tem aos seus conhecidos ou familiares, diz<strong>en</strong>do<br />
por exemplo que, durante as noites, são vigias<br />
num outro local. Nesses casos, eles moram em<br />
outras regiões da cidade, distintas daquelas onde<br />
desemp<strong>en</strong>ham suas atividades.<br />
A maior parte dos bayakous com quem conversamos<br />
nasceu fora de Porto Príncipe (vários na<br />
região sul do país) e tinha chegado quando criança<br />
ou muito jovem à capital. Alguns haviam sido res-<br />
tavek ou kokorat; vários eram órfãos desde muito<br />
pequ<strong>en</strong>os. Apesar da estigmatização e das histórias<br />
pessoais dramáticas, deve-se considerar o fato<br />
de que tais profi ssionais, especialm<strong>en</strong>te aqueles<br />
que trabalham regularm<strong>en</strong>te, são privilegiados em<br />
termos relativos: conseguem ganhar dinheiro cotidianam<strong>en</strong>te<br />
ou quase isto, o que não é banal nem<br />
pouco num mundo de extrema pobreza como este.<br />
Por outro lado, há uma verdadeira ética da higi<strong>en</strong>e<br />
corporal <strong>en</strong>tre os bayakous. Alguns compram roupa<br />
barata para <strong>en</strong>trar nas latrinas (o descarte do pèpè,<br />
chamado debachi, que é inutilizado após o uso); todos<br />
utilizam um sabão especial para se lavar etc.<br />
As redes de bayakous estão localizadas em<br />
bases. Ouvimos falar de cinco delas na zona metropolitana<br />
de Porto Príncipe: Fortouron, Cité Soleil,<br />
Marché Salomon, Fort Dimanche e Ravine Pintade.<br />
Aquela privilegiada na pesquisa foi a primeira<br />
delas, situada na Av. La Saline, na divisa <strong>en</strong>tre<br />
as microrregiões 2 e 3, do lado da calçada que corresponde<br />
à primeira. Esta base pode ser reconhecida<br />
pela quantidade de carros de mão estacionados<br />
na rua durante o dia. No cair da tarde, por volta<br />
das 16h ou 17h, começam a chegar os bayakous<br />
que fi cam conversando, trocando novidades e checando<br />
possibilidades de algum serviço, que só começará<br />
após às 22hs. (fotos 36 e 37)<br />
Os bayakous organizam-se em redes e em equipes<br />
com funções diversas: o demachè, que procura<br />
o serviço e acerta o pagam<strong>en</strong>to com o cli<strong>en</strong>te, o<br />
boss, que submerge nas latrinas e o majo, que fi ca<br />
do lado de fora receb<strong>en</strong>do os bokits com os dejetos<br />
e iluminando o local com lâmpadas. Os papéis podem<br />
ser intercambiáveis: mesmo o indivíduo ocupando<br />
a posição que t<strong>en</strong>de a ser a mais estável –<br />
porque <strong>en</strong>volve a relação com a cli<strong>en</strong>tela – o demachè,<br />
pode atuar como boss ou majo. Todos empurram<br />
o carro de mão carregado de droums até<br />
o lugar da descarga. A equipe básica é composta<br />
por estas três categorias de pessoas: um carro de<br />
mão, três droums, vários bokits e lâmpadas. Para<br />
ingressar na atividade é preciso ser batizado por<br />
um antigo bayakou. Segundo alguns depoim<strong>en</strong>tos,<br />
o lucro médio de cada profi ssional por noite de trabalho<br />
gira em torno dos 250 gourdes. A divisão dos<br />
lucros também respeita critérios de antiguidade e<br />
de funções, embora, como dissemos, elas possam<br />
ser intercambiáveis: alguém pode ter conseguido<br />
um serviço num dia e não no anterior, um outro<br />
pode descer na latrina ou fi car tomando conta da<br />
iluminação etc.