déchets. stigmatisations, commerces, politiques ... - Viva Rio en Haiti
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108 | LIXO<br />
Tal situação igualm<strong>en</strong>te explica que, naquela<br />
ocasião, as ações implem<strong>en</strong>tadas pelo VR na região<br />
tivessem tamanha visibilidade: de rep<strong>en</strong>te,<br />
apareciam lixeiras em ruas e av<strong>en</strong>idas, novas caçambas<br />
eram colocadas em certas esquinas, brigadas<br />
limpavam vias públicas, e o canal de Pont<br />
Rouge continuava a ser dragado mesmo após as<br />
chuvas, quando era novam<strong>en</strong>te inundado pelo lixo<br />
prov<strong>en</strong>i<strong>en</strong>te dos bairros mais afastados e ricos<br />
da cidade.<br />
A frase “O mar nunca retém a sujeira, a água<br />
que corre está sempre limpa” não foi usada por<br />
pessoas que estavam, elas próprias, jogando lixo;<br />
referiam-se e t<strong>en</strong>tavam dar racionalidade aos costumes<br />
dos “outros que jogam”. Além de descrever<br />
supostos hábitos de higi<strong>en</strong>e, elas exprimiam um<br />
julgam<strong>en</strong>to moral sobre costumes tidos como impróprios,<br />
colocando em evidência a dinâmica da<br />
estigmatização social que <strong>en</strong>volve o lixo.<br />
Essa lógica de estigmatização mostra, por<br />
sua vez, que a “questão da sujeira” faz parte de<br />
uma confi guração social de escala maior, na qual<br />
estão em jogo questões urbanísticas (a gestão do<br />
lixo na cidade), assuntos políticos (formas de se<br />
lidar com o lixo, mesmo diante do caráter espasmódico<br />
das políticas públicas, falta de defi nição<br />
de incumbências de órgãos e ausência de verbas<br />
próprias) e questões relativas à cooperação internacional<br />
(que incidem nas maneiras de <strong>en</strong>xergar<br />
e lidar com o problema, gerando modelos de gestão<br />
e recursos).<br />
Contudo, vimos ainda que as pessoas não<br />
descartam som<strong>en</strong>te os desperdícios, elas os reaproveitam<br />
e v<strong>en</strong>dem. A mercantilização de objetos<br />
descartados por outros como lixo é uma parte importante<br />
da economia de pequ<strong>en</strong>os lucros que injeta<br />
dinheiro nos mecanismos de sobrevivência das<br />
pessoas e das famílias resid<strong>en</strong>tes na região. Junto<br />
à dinâmica de produção de desigualdades sociais<br />
e à lógica da política (do governo e das agências<br />
de interv<strong>en</strong>ção), o universo do lixo igualm<strong>en</strong>te<br />
revela a importância do mercado na estruturação<br />
da vida social haitiana contemporânea.