22.12.2012 Views

déchets. stigmatisations, commerces, politiques ... - Viva Rio en Haiti

déchets. stigmatisations, commerces, politiques ... - Viva Rio en Haiti

déchets. stigmatisations, commerces, politiques ... - Viva Rio en Haiti

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

90 | LIXO<br />

A etnografi a foi efetuada <strong>en</strong>tre junho e julho<br />

de 2009. Foram realizadas observações prolongadas<br />

a partir de pontos fi xos como as moradias,<br />

os corredores e os locais onde o lixo é jogado ou<br />

abandonado (como esquinas, <strong>en</strong>costas, canais, lixões,<br />

<strong>en</strong>tre outros), os pontos de compra / v<strong>en</strong>da<br />

– principalm<strong>en</strong>te de plásticos e metais –, os ateliês<br />

que utilizam esses objetos como matéria-prima<br />

ou como combustível e as latrinas domésticas<br />

e comerciais. Foram igualm<strong>en</strong>te id<strong>en</strong>tifi cados<br />

os circuitos de lixo, descarga, transformação em<br />

mercadorias e comercialização. Por meio de <strong>en</strong>trevistas<br />

abertas e semiestruturadas, acessamos<br />

os hábitos e as percepções das pessoas sobre lixo<br />

e higi<strong>en</strong>e. Conversamos com v<strong>en</strong>dedores e compradores<br />

em vários pontos das redes de circulação<br />

dos objetos (nas ruas, nas balanças de pesagem,<br />

nos depósitos dos atravessadores, nos ateliês<br />

e nas empresas de comercialização e exportação),<br />

com os proprietários e <strong>en</strong>carregados de latrinas<br />

comerciais e com “notáveis” da região. Foram<br />

mapeadas as redes de bayakous (profi ssionais<br />

da limpeza das latrinas) que atuam ou têm<br />

bases na área, id<strong>en</strong>tifi cando as modalidades de organização<br />

das equipes. Reconstruímos as trajetórias<br />

dessas pessoas e os mecanismos de conformação<br />

das relações de cli<strong>en</strong>tela com aqueles que<br />

demandam seus serviços.<br />

Nosso interesse na gestão das matérias fecais<br />

surgiu a partir de sugestão do VR que, naquele mom<strong>en</strong>to,<br />

discutia um projeto de implantação de latrinas<br />

públicas na zona. Logo após o início da etnografi<br />

a, a relação <strong>en</strong>tre lixo e latrinas também se<br />

impôs a nós durante o trabalho de campo, a partir<br />

das falas de moradores da área, que nos mostravam<br />

latrinas inutilizáveis ou sítios de descarga<br />

de esgotos <strong>en</strong>quanto conversávamos sobre lixo;<br />

essa relação impôs-se igualm<strong>en</strong>te a partir da existência<br />

de algumas empresas privadas que se <strong>en</strong>carregam,<br />

simultaneam<strong>en</strong>te, da coleta de lixo e da<br />

limpeza de latrinas, combinando ações sobre um<br />

universo que algumas visões separam como do “lixo<br />

sólido” e do “lixo líquido”.<br />

As observações e <strong>en</strong>trevistas foram realizadas<br />

ao longo do dia e durante as noites, de modo<br />

a apre<strong>en</strong>der hábitos, atitudes e atividades diversas<br />

que se des<strong>en</strong>rolam em horários difer<strong>en</strong>tes –<br />

por exemplo, como veremos, à noite é o tempo do<br />

trabalho dos bayakous;cedo, de madrugada, começam<br />

as atividades dos kokorats (catadores) nos lixões<br />

e canais.<br />

Também mantivemos <strong>en</strong>contros com agências<br />

governam<strong>en</strong>tais que, de uma forma ou de outra, lidam<br />

com o lixo (o Ministério de Obras Públicas,<br />

Transportes e Comunicações, e a Prefeitura de Porto<br />

Príncipe), com instituições da cooperação internacional<br />

(AFD, PNUD e BID), com organizações não<br />

governam<strong>en</strong>tais (GRET, Atletic d’Ayiti e VR) e com<br />

as empresas que atuam na limpeza de ruas e latrinas<br />

(Boucard, Sanitec, Clean Rite, JEDCO) e na<br />

compra de lixo para reciclagem e exportação (GS).<br />

Fizemos um levantam<strong>en</strong>to das ações dessas instituições<br />

e das visões que cada uma tem da “problemática<br />

do lixo”, através de <strong>en</strong>trevistas com dirig<strong>en</strong>tes<br />

e funcionários, observações nas sedes das<br />

empresas e por meio da participação em reuniões<br />

setoriais e visitas a projetos em andam<strong>en</strong>to.<br />

2. LIXO E ESTIGMATIZAÇÃO SOCIAL<br />

A qualifi cação da região pesquisada como uma<br />

das mais sujas de Porto Príncipe goza de grande<br />

cons<strong>en</strong>so <strong>en</strong>tre as instituições do Estado, as agências<br />

internacionais, as ONGs, a população de outras<br />

regiões da cidade e <strong>en</strong>tre os próprios moradores<br />

locais. Este cons<strong>en</strong>so deve ser, contudo, nuançado,<br />

pois as perspectivas sobre o s<strong>en</strong>tido da sujeira<br />

e os valores a ela atribuídos variam segundo pessoas<br />

e instituições, segundo a região de residência<br />

e, analogam<strong>en</strong>te, segundo as diversas situações de<br />

interação nas quais esses assuntos surgem ou são<br />

levantados.<br />

Para muitas instituições, trata-se de uma região<br />

marcada por uma série de “problemas” que a<br />

pres<strong>en</strong>ça do lixo reforçaria e revelaria de forma<br />

exemplar, alim<strong>en</strong>tando a estigmatização que pesa<br />

sobre ela: degradação ambi<strong>en</strong>tal, sanitária e social,<br />

ligada à violência, ao desemprego e à ausência<br />

do Estado. Assim, a dinâmica estigmatizante<br />

dos ag<strong>en</strong>tes externos mistura a descrição das características<br />

“sujas” da região com um julgam<strong>en</strong>to<br />

a respeito do que seriam os hábitos “sujos” dos<br />

moradores. A “falta de educação” e a “ausência de<br />

higi<strong>en</strong>e” atribuída às pessoas confundem-se com<br />

as características conferidas ao local, o que reforça<br />

uma ideia de sujeira difusa e duplam<strong>en</strong>te estigmatizante,<br />

um híbrido de diagnóstico sanitário e<br />

de cond<strong>en</strong>ação moral. 8<br />

As percepções locais sobre a sujeira e o lixo<br />

dialogam de forma implícita ou explícita com

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!