22.12.2012 Views

déchets. stigmatisations, commerces, politiques ... - Viva Rio en Haiti

déchets. stigmatisations, commerces, politiques ... - Viva Rio en Haiti

déchets. stigmatisations, commerces, politiques ... - Viva Rio en Haiti

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

paço doméstico, como substituto do carvão vegetal<br />

no cozim<strong>en</strong>to dos alim<strong>en</strong>tos. Esse é um dos aspectos<br />

no qual a difer<strong>en</strong>ciação social se apres<strong>en</strong>ta<br />

de forma mais dramática d<strong>en</strong>tro da área pesquisada.<br />

Como dissemos: o que para olhos externos<br />

aparece como uma região homog<strong>en</strong>eam<strong>en</strong>te pobre<br />

e degradada é, na verdade, uma área int<strong>en</strong>sam<strong>en</strong>te<br />

difer<strong>en</strong>ciada. Utilizar plástico (catado, não comprado)<br />

em lugar de carvão é um dos traços característicos<br />

da microrregião 1, o que permite caracterizá-la<br />

como uma microrregião de “extrema pobreza”<br />

d<strong>en</strong>tro da zona da pesquisa que, certam<strong>en</strong>te,<br />

é como um todo “extremam<strong>en</strong>te pobre”.<br />

6. KOKORAT – VANDÈ PA PÈZ<br />

O termo kokorat designa uma espécie de pulga<br />

ou parasita que vive nas galinhas ou nos ratos.<br />

22 A palavra invoca basicam<strong>en</strong>te a ideia de “ser<br />

inferior” e é utilizada para d<strong>en</strong>ominar os catadores<br />

de lixo. Não se trata de uma categoria de autoid<strong>en</strong>tifi<br />

cação (raram<strong>en</strong>te alguém diz “eu sou um kokorat”).<br />

A palavra que descreve a atividade positivam<strong>en</strong>te<br />

é vandè pa pèz (v<strong>en</strong>dedor por peso).<br />

Como já adiantamos, existem “catadores profi<br />

ssionais” que dedicam boa parte de sua jornada<br />

a essa atividade. Há os que trabalham diretam<strong>en</strong>te<br />

no principal lixão da zona metropolitana (Truitier).<br />

Há ainda os que começam a catar lixo já nos<br />

caminhões que para lá se dirigem. E há catadores<br />

nos lixões localizados na área da pesquisa, principalm<strong>en</strong>te<br />

nas microrregiões 1 e 5, nos dois canais<br />

que descem das zonas altas e mais ricas da cida-<br />

20 As primeiras descrições etnográfi cas das relações<br />

de cli<strong>en</strong>tela nos mercados haitianos, fundadas na<br />

confi ança e cultivadas ao longo do tempo (como a de<br />

Sidney Mintz, “Pratik: <strong>Haiti</strong>an Personal Economic Relationship”,<br />

1967), têm pl<strong>en</strong>a validade nesses circuitos<br />

comerciais urbanos ligados ao lixo.<br />

21 O mercado do plástico é bem m<strong>en</strong>or e m<strong>en</strong>os r<strong>en</strong>tável<br />

que o dos metais. Essa é a razão pela qual não há<br />

balanças para pesagem e compra de plásticos nas ruas,<br />

nem grandes intermediários, como acontece com o<br />

ferro e o alumínio.<br />

22 Ver Jean Jorel Janvier, « Port-au-Prince et les <strong>en</strong>fants<br />

de rue : le ph<strong>en</strong>omène des kokorats ». Thesis, Faculé<br />

d’Ethnologie, Université d’Etat d’Haïti, 2004.<br />

de. A atividade dos kokorats é mais int<strong>en</strong>sa bem<br />

cedo, na madrugada (é preciso ser o primeiro a pegar<br />

os objetos v<strong>en</strong>dáveis) e, após os dias ou períodos<br />

de chuva, quando as águas descem com mais<br />

objetos e de melhor qualidade (“jogados pelos ricos”<br />

que moram em Pétion Ville ou Delmas) (fotos<br />

27, 28 e 29). Alguns catadores trabalham em grupos,<br />

em algumas ocasiões, sob a forma de redes<br />

familiares, formadas, por exemplo, por uma mãe<br />

e seus fi lhos. Nesses casos, a quantidade de objetos<br />

colhidos numa jornada pode justifi car o transporte<br />

direto aos pontos fi nais de compra: alguns<br />

ateliês e a empresa GS, situada a vários quilômetros<br />

da região, para onde os objetos são levados<br />

em carros de mão alugados. O puxador pode ser<br />

alguém da família ou, às vezes, outra pessoa que<br />

é paga pelo serviço.<br />

Isto demonstra, uma vez mais, até que ponto<br />

o mundo da extrema pobreza é bastante difer<strong>en</strong>ciado,<br />

e os pequ<strong>en</strong>os lucros gerados, perman<strong>en</strong>tem<strong>en</strong>te<br />

sub-divididos, numa d<strong>en</strong>sa rede de intermediários<br />

e colaboradores. Trata-se de um traço<br />

c<strong>en</strong>tral das atividades id<strong>en</strong>tifi cadas com o que se<br />

conv<strong>en</strong>cionou chamar de “economia informal”: um<br />

conjunto de possibilidades abertas, não exclud<strong>en</strong>tes<br />

<strong>en</strong>tre si e que, de forma articulada, permite a<br />

sobrevivência das pessoas num mundo pouco monetizado.<br />

Esse universo, no qual o dinheiro oriundo<br />

de salários é quase inexist<strong>en</strong>te, é marcado pela<br />

produção de “pequ<strong>en</strong>os lucros” (fè piti, na expressão<br />

em kreyòl), como aqueles surgidos da colheita,<br />

transformação e v<strong>en</strong>da de objetos que, em outros<br />

contextos, são tratados como “lixo”. 23<br />

23 No texto clássico que consagrou a noção de economia<br />

informal (“Informal Income Opportunities and Urban<br />

Employm<strong>en</strong>t in Ghana”. The Journal of Modern<br />

African Studies 11, 1 1973: 61-89), Keith Hart não fala<br />

da lógica dos pequ<strong>en</strong>os lucros. O mérito de chamar<br />

a at<strong>en</strong>ção sobre ela é de Jane Guyer, Marginal Gains.<br />

Monetary Transactions in Atlantic Africa. University<br />

of Chicago Press, 2004. Cabe sublinhar que as estimativas<br />

sobre desemprego (algumas falam em até 80% na<br />

região de pesquisa) têm grande difi culdade para conceituar<br />

e m<strong>en</strong>surar as atividades que geram pequ<strong>en</strong>os<br />

lucros como as aqui descritas.<br />

LIXO | 97

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!