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déchets. stigmatisations, commerces, politiques ... - Viva Rio en Haiti

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104 | LIXO<br />

tizadas como as desta pesquisa são consideradas<br />

pelos de fora como os locais de désordre, o habitat<br />

natural dos chimères. 34<br />

A relação <strong>en</strong>tre lixo e política vincula-se igualm<strong>en</strong>te<br />

às condições de vida e à autoestima da população<br />

que mora no (ou perto do) lixo. Por isso, às vezes<br />

<strong>en</strong>xergam-se nas formas de se lidar com o problema,<br />

possibilidades de geração de empregos para<br />

uma mão de obra não qualifi cada e estigmatizada,<br />

que mora nas próprias regiões tidas como problemáticas<br />

e que seria suscetível a se <strong>en</strong>gajar em atos<br />

viol<strong>en</strong>tos. Daí que a geração de empregos na limpeza<br />

e na gestão de lixo apareça algumas vezes associada<br />

com as “políticas de estabilização”.<br />

Por fi m, e não m<strong>en</strong>os importante, lixo e sujeira<br />

facilm<strong>en</strong>te convertem-se em argum<strong>en</strong>tos políticos<br />

que podem mobilizar as classes médias e os formadores<br />

de opinião, colocando em jogo a continuidade<br />

de governos municipais e, inclusive, nacionais. 35<br />

A história da gestão do lixo no <strong>Haiti</strong> e na cidade<br />

de Porto Príncipe, bem como aquela das políticas<br />

públicas de saneam<strong>en</strong>to e limpeza são certam<strong>en</strong>te<br />

longas e d<strong>en</strong>sas. No <strong>en</strong>tanto, o fi m da ditadura<br />

dos Duvalier, em 1986, parece ter aberto<br />

uma nova fase que continua até hoje. Não se trata<br />

simplesm<strong>en</strong>te do fato m<strong>en</strong>cionado em vários depoim<strong>en</strong>tos<br />

de que “antes” a cidade era mais limpa,<br />

ou de que o governo (nacional ou municipal) tomava<br />

conta do lixo de uma forma mais apropriada.<br />

Na construção do problema contemporâneo do lixo<br />

é preciso considerar substantivam<strong>en</strong>te a confl<br />

uência de três elem<strong>en</strong>tos que expomos a seguir,<br />

numa ordem que, é preciso sublinhar, não é hierárquica<br />

nem causal.<br />

O primeiro elem<strong>en</strong>to é a retirada do Estado do<br />

aprovisionam<strong>en</strong>to de infraestrutura pública básica<br />

(e não som<strong>en</strong>te em relação ao lixo) em áreas da<br />

cidade nas quais, até <strong>en</strong>tão, havia tido uma relativa<br />

pres<strong>en</strong>ça (o mesmo pode ser constatado a respeito<br />

do aprovisionam<strong>en</strong>to de água ou <strong>en</strong>ergia). O<br />

segundo elem<strong>en</strong>to é a pres<strong>en</strong>ça cresc<strong>en</strong>te dos fl uxos<br />

da cooperação internacional em dinheiro, na<br />

formulação de problemas e de projetos, na elaboração<br />

e implem<strong>en</strong>tação de políticas públicas e na<br />

pres<strong>en</strong>ça de novos atores e saberes (foto 44). O último<br />

elem<strong>en</strong>to é a visibilização pública – a partir<br />

de 1986 e, principalm<strong>en</strong>te, a partir do primeiro<br />

governo de Jean-Bertrand Aristide – da população<br />

dos bairros extremam<strong>en</strong>te pobres como aqueles<br />

<strong>en</strong>focados na pesquisa (Bel Air e Cité Soleil), situados<br />

nas áreas baixas da cidade, inundadas de<br />

lixo, muitas delas verdadeiros lixões. A transformação<br />

dessas populações em atores políticos reivindicadores<br />

de direitos fez do “problema do lixo”<br />

algo difer<strong>en</strong>te. Deu visibilidade a quem não tinha,<br />

reforçando as associações <strong>en</strong>tre lixo, pobreza<br />

e violência e colocando a dinâmica da estigmatização<br />

que atinge essas populações na ag<strong>en</strong>da da<br />

política nacional e das políticas da cooperação internacional,<br />

das ONGs e também do Estado – ainda<br />

que, paradoxalm<strong>en</strong>te, seja às vezes som<strong>en</strong>te na<br />

d<strong>en</strong>úncia da falta de cuidado com o problema (uma<br />

d<strong>en</strong>úncia, aliás, imp<strong>en</strong>sável quando essa população<br />

nem era “<strong>en</strong>xergada”).<br />

Nas associações contemporâneas <strong>en</strong>tre política<br />

e lixo intervêm ag<strong>en</strong>das internacionais que articulam<br />

o combate à pobreza com a promoção da<br />

saúde, o cuidado do meio ambi<strong>en</strong>te, a eliminação da<br />

violência e a mitigação do desemprego. Trata-se de<br />

um campo disputado, no qual a formulação do problema<br />

não é cons<strong>en</strong>so e no qual concorrem, é preciso<br />

dizer, especialistas, modelos de ação, fontes de<br />

fi nanciam<strong>en</strong>to e atores (internacionais, nacionais,<br />

municipais e comunitários) ligados, ou com a expectativa<br />

de se ligar, a essas fontes.<br />

O universo social do lixo na área pesquisada<br />

está atravessado por essas t<strong>en</strong>sões, ecoando debates<br />

e disputas, e não só em relação à ação dos<br />

políticos e dos ag<strong>en</strong>tes da cooperação internacional<br />

e das ONGs ali pres<strong>en</strong>tes, mas também nas falas<br />

e nas ações da população que é, ou deveria ser,<br />

alvo dessas políticas. Podemos id<strong>en</strong>tifi car os seguintes<br />

eixos que t<strong>en</strong>cionam os debates e as ações<br />

na região.<br />

Em primeiro lugar, deve-se notar a ausência<br />

de coord<strong>en</strong>ação, de defi nição de incumbências e de<br />

hierarquias claras por parte das agências do Estado<br />

haitiano. O governo nacional intervém no domínio<br />

do lixo através de pelo m<strong>en</strong>os dois Ministérios<br />

(Obras Públicas e Meio Ambi<strong>en</strong>te) — na coleta, na<br />

limpeza das ruas e na gestão do lixão de Truitier.<br />

Mas o lixo é também objeto de at<strong>en</strong>ção das prefeituras,<br />

o que complica de maneira adicional o assunto,<br />

uma vez que suas políticas, bem como as<br />

relações que <strong>en</strong>tretêm com cada ministério, estão<br />

longe de ser homogêneas ou coord<strong>en</strong>adas. A criação<br />

da Cellule de Gestion des Déchets Solides (Célula<br />

de Gestão do Lixo Sólido) e da Mesa Setorial<br />

de Gestão do Lixo Sólido, em 2009, no quadro do<br />

Ministério de Travaux Publiques, parece ter sido<br />

uma t<strong>en</strong>tativa de coord<strong>en</strong>ação e de criação de instâncias<br />

superiores de formulação de políticas. Co-

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