déchets. stigmatisations, commerces, politiques ... - Viva Rio en Haiti

98 | LIXO
7. ATELIÊS
A área na qual se concentrou a pesquisa está
cheia de ateliês de fabricação de produtos comercializados
no país ou para exportação. Sua importância
para a compreensão das formas de reprodução
econômica das famílias difi cilmente pode
ser menosprezada. Há, na região, ofi cinas de fabricação
de pilon e de outros objetos de madeira, 24
padarias que aprovisionam com pão e biscoitos
extensas redes de consumo e ateliês diretamente
ligados aos circuitos do lixo, como os já mencionados,
de fabricação de panelas de alumínio (chaudières)
e objetos de ferro, como fogões (réchauds),
lâmpadas e utensílios de cozinha.
Os ateliês (todos eles, evidentemente, embora
aqui nos concentremos sobre aqueles que utilizam
metais e plásticos) envolvem a presença de
profi ssionais, a invenção, reprodução e transmissão
de savoir-faire. Os ateliês de objetos de lata
ou ferro utilizam pouca mão de obra. Ali trabalham
o mestre com, no máximo, um auxiliar; trata-se,
simultaneamente, de um local comercial e de
uma pequena barraca na qual se vende no atacado
e no varejo (como dissemos, esses ateliês concentram-se
na movimentada rua La Saline, no início
do marché Croix de Bossales) (ver fotos 21, 22
e 23). Alguns mercadores que aí compram fornos
para panelas ou lâmpadas de querosene vendem
tais produtos em outros mercados da zona metropolitana
(Marché Salomon, Petion Ville, Croix-des-
Bouquets etc.), no interior rural ou ainda fora das
fronteiras do país. 25
Os ateliês de panelas (chodyè) envolvem uma
estrutura bem mais sofi sticada e complexa, contando,
algumas vezes com a participação de dezenas
de pessoas (sempre homens), com hierarquias
e funções diferenciadas (os chodyèmann). O proprietário
do ateliê pode ou não ser o mestre. Há,
portanto, um mercado de trabalho para mestres
que podem circular entre vários ateliês ao longo
de sua vida profi ssional. O savoir-faire do mestre
é transmitido a seus ajudantes no dia a dia. Os
moldes das panelas devem ser feitos em madeira,
utilizando areia fi na. Em seguida, funde-se o alumínio
que é esvaziado nos moldes, e os produtos
ainda devem ser acabados, lixados e polidos. (fotos
30 e 31)
Os ateliês de panelas não se localizam em
pontos comerciais e não possuem a forma de lo-
jas abertas ao público, embora os clientes costumem
comprar diretamente nesses locais. Sua principal
fonte de renda é a venda no atacado para intermediários
que comercializam as panelas na cidade,
em outras regiões do país e mesmo no exterior,
principalmente na República Dominicana.
O volume de fabricação e venda varia segundo os
ateliês; alguns possuem somente um forno de fundição,
outros até três. Há casos e períodos em que
podem chegar a vender e exportar até mesmo centenas
de panelas por mês. Alguns trabalham quase
que exclusivamente por encomenda.
As panelas são de diferentes tamanhos e espessuras,
o que incide na variação dos preços —
entre 150 e 300 gourdes. Alguns ateliês fabricam
outros objetos de alumínio de menor valor, como
colheres para o fritay (comida frita na rua) e espremedores
de laranjas. Os chodyèmann são conscientes
do perigo para a saúde que envolve a fumaça
preta produzida na fundição alimentada com
plástico e borracha, mas argumentam que a utilização
de madeira ou carvão não seria rentável,
menos ainda de gás que, como eles sabem perfeitamente,
facilitaria a produção do elevado calor
necessário para a fundição.
Assim, as fundições continuam sendo alimentadas
pelo plástico vendido pelos catadores que
chegam aos ateliês ao longo da jornada. Criam-se
entre os gerentes ou proprietários e os catadores,
relações de clientela fundadas na confi ança relativa
ao pagamento (às vezes, diferido) e na ajuda
em caso de necessidade. O mesmo acontece com os
aprovisionadores do alumínio, que constroem relações
de preferência com alguns ateliês. Apesar
de estarem localizados no degrau mais baixo na
escala do mundo social do lixo, o comparecimento
regular dos kokorats-vandè pa pèz aos ateliês
viabiliza a continuidade da indústria.
8. LATRINAS
A distinção, realizada pelos especialistas, entre
lixo sólido e líquido, e sua concentração na
questão dos esgotos e não das latrinas afasta as
matérias fecais do foco das políticas públicas. Os
moradores da zona tampouco as consideram propriamente
“lixo”. No entanto, de seu ponto de vista,
as matérias fecais constituem uma fonte de preocupação
associada à higiene pessoal, às condições