déchets. stigmatisations, commerces, politiques ... - Viva Rio en Haiti
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a área compre<strong>en</strong>dida pela pesquisa (fi m da década<br />
de 1970). À estigmatização decorr<strong>en</strong>te da associação<br />
<strong>en</strong>tre extrema pobreza e lixo acresc<strong>en</strong>ta-se<br />
ainda o fato de que ali se localizava uma das mais<br />
sinistras prisões da era da ditadura Duvalier: o<br />
Fort Dimanche. Certam<strong>en</strong>te, não é por acaso que<br />
os habitantes rebatizaram a área como Cité Démocratie<br />
(foto 4). Os dados apres<strong>en</strong>tados no mapa<br />
confi rmam tratar-se de uma das regiões mais degradadas<br />
da zona metropolitana. Ela está fora de<br />
qualquer circuito de coleta de lixo, os ateliês são<br />
quase inexist<strong>en</strong>tes. Se na área de Warf Jeremie há<br />
possibilidades de trabalho ligadas ao porto, isto<br />
não ocorre em Fort Dimanche, onde uma das poucas<br />
atividades produtivas parece ser a fabricação<br />
de tè ajil (biscoitos de argila, foto 5). Dois indicadores<br />
de degradação e de ausência de infraestrutura<br />
estão pres<strong>en</strong>tes em toda essa microrregião:<br />
a ausência quase completa de latrinas e o fato de<br />
que, <strong>en</strong>tre os moradores da área, o principal combustível<br />
utilizado para cozinhar não é carvão, e<br />
sim pedaços de plástico e borracha que podem ser<br />
<strong>en</strong>contros nos lixões que contornam a área e nos<br />
canais que desembocam no mar. Coer<strong>en</strong>te com os<br />
elem<strong>en</strong>tos que indicam essa microrregião como a<br />
mais baixa na estratifi cação social da área pesquisada<br />
é o fato de que ali reside a maioria dos kokorats<br />
e bayakous que conhecemos na área.<br />
2. A segunda microrregião compre<strong>en</strong>dida pela<br />
pesquisa localiza-se <strong>en</strong>tre o Blv. La Saline e a rue<br />
10 Para compre<strong>en</strong>der a lógica da estigmatização no <strong>Haiti</strong>,<br />
também é importante considerar as perspectivas das<br />
elites sobre a pobreza e os pobres. A este respeito, ver<br />
Omar Ribeiro Thomaz, “<strong>Haiti</strong>an elites and their perceptions<br />
of poverty and of inequality” (2005).<br />
11 É importante compre<strong>en</strong>der que as modalidades de<br />
sobrevivência individual e de reprodução familiar em<br />
contextos sociais de extrema pobreza articulam uma<br />
série de atividades que incluem relações não mediadas<br />
pelo dinheiro, como a cooperação, a ajuda em caso<br />
de necessidade, difer<strong>en</strong>tes formas de escambo etc.<br />
As atividades que “dão dinheiro” costumam ser muito<br />
limitadas e, por isso mesmo, extremam<strong>en</strong>te importantes,<br />
pois todas as cadeias de relações, em algum ponto,<br />
exigem dinheiro: comprar alim<strong>en</strong>tos ou roupa, pagar<br />
uma dívida ou a educação dos fi lhos (no <strong>Haiti</strong>, as escolas<br />
públicas são também pagas). Como veremos, na<br />
região pesquisada, algumas das principais atividades<br />
que permitem fé b<strong>en</strong>efi s (lucrar ou fazer dinheiro) estão<br />
ligadas aos circuitos comerciais do lixo.<br />
du Quai. Aqui, as residências confundem-se com<br />
o mercado Croix de Bossales. Neste local, v<strong>en</strong>dese<br />
principalm<strong>en</strong>te carvão e legumes no atacado. A<br />
circulação destes últimos cria muito lixo, afetando<br />
ainda mais as condições sanitárias da área. Quase<br />
não há latrinas resid<strong>en</strong>ciais e as várias comerciais<br />
ali pres<strong>en</strong>tes são usadas por mercadores e por pessoas<br />
de passagem, ligadas à int<strong>en</strong>sa atividade comercial<br />
e aos fl uxos das duas av<strong>en</strong>idas (foto 6).<br />
3. Entre a rue du Quai e a rue du Magasin<br />
de l’Etat, est<strong>en</strong>de-se uma região mais d<strong>en</strong>sam<strong>en</strong>te<br />
habitada, de moradias baixas. Nessas duas vias<br />
principais verifi ca-se um grande movim<strong>en</strong>to, v<strong>en</strong>da<br />
de “pratos feitos” (Ch<strong>en</strong> Janbe), 13 comércio de<br />
água (cisternas privadas e o primeiro dos quiosques<br />
do VR), latrinas e duchas comerciais e alguns<br />
ateliês de madeira e objetos de metal. Aqui se localiza<br />
o único conjunto habitacional da área pesquisada,<br />
formado por seis blocos de quatro andares<br />
cada um, construído na década de 1990, durante<br />
o governo de Jean Bertrand Aristide, mas que não<br />
possui infraestrutura de latrinas nem esgotos. A<br />
Av. La Saline, que desemboca no mercado Croix de<br />
Bossales, era uma das vias mais cheias de lama e<br />
desperdícios até serem iniciadas as ações de limpeza<br />
promovidas pelo VR na região (fotos 7 e 8).<br />
4. Após a rue du Magasin de l’Etat, continuando<br />
na direção da Grande Rue e da área de Portail<br />
Saint Josef, a estrutura sociorresid<strong>en</strong>cial muda.<br />
Trata-se de uma zona de ocupação mais anti-<br />
12 Um diálogo fi no com os dados do C<strong>en</strong>so do <strong>Viva</strong> <strong>Rio</strong> certam<strong>en</strong>te<br />
daria lugar a novas e interessantes questões.<br />
13 Nas ruas da cidade, o Ch<strong>en</strong> Janbe é uma importante<br />
fonte de produção de lixo orgânico e inorgânico (pratos<br />
de isopor, por exemplo, usados pelos estabelecim<strong>en</strong>tos<br />
localizados em áreas relativam<strong>en</strong>te mais ricas e não na<br />
zona da pesquisa, onde a comida é geralm<strong>en</strong>te servida<br />
em pratos de metal). Na região abordada por esta pesquisa,<br />
três elem<strong>en</strong>tos incidem diretam<strong>en</strong>te sobre a importância<br />
dos restaurantes de rua: a inexistência de habitações<br />
destinadas a cozinhas em muitas das moradias<br />
e o fato de muitas dessas cozinhas nas ruas situaremse<br />
numa fronteira nuançada <strong>en</strong>tre os universos doméstico<br />
e público: cozinha-se para cli<strong>en</strong>tes e também para<br />
par<strong>en</strong>tes, amigos; muitos pagam imediatam<strong>en</strong>te, alguns<br />
depois, outros nunca. Sobre a g<strong>en</strong>eralização dos restaurantes<br />
de rua na cidade, ver Carlie Eug<strong>en</strong>e, “Restaurant<br />
de rue à Port-au-Prince: le phénomène ‘Ch<strong>en</strong> Janbe’”,<br />
Mémoire de Lic<strong>en</strong>se, Faculté d’Ethnologie, Université<br />
d’Etat d’Haïti, 2001.<br />
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