ENTREVISTA Fábio Ulhoa Coelho e o novo Código ComerCial ...
ENTREVISTA Fábio Ulhoa Coelho e o novo Código ComerCial ...
ENTREVISTA Fábio Ulhoa Coelho e o novo Código ComerCial ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
legislação civil com os <strong>novo</strong>s preceitos constitucionais,<br />
campo que o <strong>Código</strong> de 1916 não podia<br />
almejar, dado o caráter restrito à organização do<br />
Estado da Constituição da época da promulgação<br />
da ordenação civil.<br />
A essa época os códigos civis eram o centro<br />
do direito positivo, em grande parte por influência<br />
do <strong>Código</strong> Civil Francês.<br />
O direito civil, portanto, deixou de ter apenas<br />
como figura central o <strong>Código</strong> Civil, que passou a<br />
não mais ser o único texto ordenador das relações<br />
privadas, as quais receberam o enfoque da Constituição,<br />
de modo unificado e sistemático, desempenhando<br />
o papel de ligação do sistema jurídico. 3<br />
Desse modo, um dos grandes méritos do <strong>Código</strong><br />
Civil, após uma década de sua promulgação,<br />
é o fortalecimento e a sedimentação do direito<br />
Civil Constitucional na doutrina e na jurisprudência<br />
brasileira.<br />
Nesse sentido, conforme afirma Paulo Lobo:<br />
“A Constitucionalização do Direito Civil<br />
não é episódica ou circunstancial. É consequência<br />
inevitável da natureza do Estado social, que<br />
é a etapa que a humanidade vive contemporaneamente<br />
do Estado moderno, apesar de<br />
suas crises, das frustrações de suas promessas e<br />
dos prenúncios de retorno ao modelo liberal,<br />
apregoados pelo neoliberalismo, que pretende<br />
afastar qualquer intervenção estatal ou consideração<br />
de interesse social das relações privadas.<br />
A Constituição Brasileira de 1988 consagra o<br />
Estado social, que tem como objetivos fundamentais<br />
(art. 3º) ‘constituir uma sociedade livre,<br />
justa e solidária’, com redução das desigualdades<br />
sociais. A ordem jurídica infraconstitucional<br />
deve concretizar a organização social e<br />
a economia eleita pela Constituição, não podendo<br />
os juristas desconsiderá-la, como se os<br />
3 NANNI, Giovanni Ettore in LOTUFO, Renan, Caderno<br />
de Direito Civil Constitucional, Vol. 2, 1ª Ed, Editora Juruá, São<br />
Paulo, 2001. p. 164.<br />
fundamentos do direito civil permanecessem<br />
ancorados no modelo liberal do século XIX”. 4<br />
É nítido que o <strong>Código</strong> Civil de 2002 abarcou<br />
os princípios do Estado Social. Pode-se perceber,<br />
por exemplo, a alta carga principiológica contida<br />
no direito contratual, uma vez que o reconhecimento<br />
à liberdade e autonomia das pessoas sofre<br />
maior resistência dos interesses sociais. Tido por<br />
autores como o dispositivo mais importante do<br />
<strong>Código</strong>, o art. 421, ao imprimir ao contrato função<br />
social – e não apenas um meio de autorregulação<br />
entre as partes –, deixou de ter centro na<br />
autonomia da vontade, passando a adotar a autonomia<br />
privada, conformada pelo ordenamento,<br />
e a justiça social, que constitucionalmente deve<br />
estar presente em todas as relações econômicas. 5<br />
Entretanto, mais do que olhar para trás e nos<br />
deleitarmos com o sucesso e a evolução que o<br />
<strong>Código</strong> de 2002 trouxe para o ordenamento<br />
jurídico pátrio, é preciso que nos debrucemos<br />
sobre as perspectivas futuras e sobre os perigos<br />
que uma equivocada interpretação pode trazer.<br />
novaS perSpecTivaS<br />
A boa técnica civil constitucionalista arrazoa<br />
que cada norma infraconstitucional há de ser<br />
aplicada conjuntamente com os princípios constitucionais.<br />
A Constituição deve incidir como um<br />
foco de iluminação do todo do sistema.<br />
Pietro Perlingieri alerta sobre o “perigo de<br />
se conceber um sistema jurídico mediante modelos<br />
binários, considerando-se o ordenamento<br />
jurídico como um conjunto de normas jurídicas<br />
apartadas da realidade e de sua aplicação jurisdicional,<br />
idealizando-se, dessa forma, dois sistemas<br />
distintos: aquele concebido pelo legislador e ou-<br />
4 LOBO, PAULO in TEPEDINO, Gustavo (coord.), Direito<br />
Civil Contemporâneo – Novos Problemas à Luz da Legalidade<br />
Constitucional, Editora Atlas, São Paulo, 2008. p. 20.<br />
5 Idem. p. 25.<br />
Fórum jurídico<br />
73