Prosa - Academia Brasileira de Letras
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Laura Sandroni<br />
“Foi em 1930. Eu tinha nove anos. Era estranho ser tão abraçada e beijada<br />
sem saber por quê. Ou melhor, eu sabia, mas tinha que guardar para<br />
mim (...) Precisei <strong>de</strong> vinte anos <strong>de</strong> análise para me livrar do fantasma da<br />
perda. (...) Mais tar<strong>de</strong> consegui exorcizá-la através da arte”.<br />
Maria Clara cursou o colégio São Paulo e em 1938 entrou para o movimento<br />
Ban<strong>de</strong>irante, que teve gran<strong>de</strong> importância em sua formação. “Numa<br />
época especialmente repressiva para as mulheres, ser ban<strong>de</strong>irante favorecia o<br />
exercício da liberda<strong>de</strong>, do companheirismo e da aventura com responsabilida<strong>de</strong>”,<br />
nas palavras do organizador do livro. Diz a própria Clara: “A convivência<br />
com o ban<strong>de</strong>irantismo me <strong>de</strong>u um gran<strong>de</strong> espírito <strong>de</strong> grupo, <strong>de</strong> camaradagem,<br />
<strong>de</strong> simplicida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> valorização da coragem e espírito <strong>de</strong> aventura.” Foi exatamente<br />
nessa época, entre os anos 40 e 50, que conheci Maria Clara, primeiro<br />
como a organizadora e “diretora” dos fogos <strong>de</strong> conselho, ativida<strong>de</strong> com que<br />
encerrávamos os dias nos acampamentos. Era o momento em que as vocações<br />
artísticas <strong>de</strong>spontavam. Representávamos, cantávamos ao som do violão, algumas<br />
recitavam ou contavam histórias, sob a batuta <strong>de</strong> Clara. Minha chefe<br />
Eddy Rezen<strong>de</strong>, sua gran<strong>de</strong> amiga, chamou-a uma vez para falar-nos numa<br />
reunião do curso <strong>de</strong> chefes. Sua vivacida<strong>de</strong> e inteligência encantaram a todas.<br />
Com a participação do Brasil na guerra, <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> ser enfermeira atuando<br />
como ban<strong>de</strong>irante no ambulatório do Patronato Operário da Gávea, mas logo<br />
percebe não ser essa a sua vocação. Vai então trabalhar com as crianças no<br />
mesmo Patronato e <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> montar um teatro <strong>de</strong> bonecos. Instalou o ateliê<br />
on<strong>de</strong> preparava os cenários e as roupas na garagem <strong>de</strong> sua casa e as titereiras<br />
eram as amigas ban<strong>de</strong>irantes entusiasmadas com a nova ativida<strong>de</strong>. Começaram<br />
então a se apresentar em festas infantis. Lembro-me que minha mãe, também<br />
ban<strong>de</strong>irante, convidou o grupo para uma apresentação em nossa casa, no<br />
Cosme Velho, no aniversário <strong>de</strong> meu irmão Roberto Athay<strong>de</strong>, que mais tar<strong>de</strong><br />
tornou-se teatrólogo. A peça foi a primeira que Maria Clara escreveu: um auto<br />
<strong>de</strong> Natal, O boi e o burro a caminho <strong>de</strong> Belém. Estávamos em fins <strong>de</strong> novembro e o<br />
tema tão a<strong>de</strong>quado fez o maior sucesso entre crianças, jovens e adultos.<br />
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