19.04.2013 Views

Prosa - Academia Brasileira de Letras

Prosa - Academia Brasileira de Letras

Prosa - Academia Brasileira de Letras

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Celso Lafer<br />

clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong> do processo é a crítica <strong>de</strong> um <strong>de</strong>mocrata à opacida<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r,<br />

que, <strong>de</strong> forma inédita, viria a caracterizar o arbítrio do totalitarismo.<br />

Um outro elemento da dominação totalitária, para Hannah Arendt, é o uso<br />

da mentira como instrumento <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. No caso do antissemitismo mo<strong>de</strong>rno, o<br />

tema é a mentira <strong>de</strong> uma conspiração judaica voltada para um projeto <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />

universal. Foi com esse intuito que, no século XIX, a polícia secreta czarista elaborou<br />

os Protocolos dos sábios do Sião, uma falsificação que serviu amplamente na Europa<br />

para fins <strong>de</strong> propaganda antijudaica, ao inventar acontecimentos para ajustá-los<br />

à i<strong>de</strong>ologia antissemita. Os riscos para a legalida<strong>de</strong> e a preservação das garantias<br />

processuais provenientes <strong>de</strong> falsificação <strong>de</strong> provas nos processos estão claramente<br />

presentes na crítica <strong>de</strong> Rui. É o <strong>de</strong>staque por ele dado à mentira <strong>de</strong> um inexistente<br />

corpo <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito que permitiu atribuir a Dreyfus uma falsa traição.<br />

O conceito <strong>de</strong> “inimigo objetivo” é outro elemento <strong>de</strong> dominação totalitária.<br />

O “inimigo objetivo” é aquele grupo que, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> sua<br />

conduta, po<strong>de</strong>, a critério da li<strong>de</strong>rança totalitária, eventualmente discordar da<br />

“verda<strong>de</strong> oficial”. Por isso <strong>de</strong>ve ser discriminado, isolado, punido e eliminado.<br />

No caso Dreyfus foi ele <strong>de</strong> antemão con<strong>de</strong>nado não pelo que fez, vale dizer,<br />

por sua conduta, mas sim pela sua origem judaica, como indicou Rui na análise<br />

do processo. Foi a suspeita generalizada que o cercou, que <strong>de</strong>le fez um<br />

“inimigo objetivo”, con<strong>de</strong>nado a uma pena sem culpa.<br />

Pierre Ansart mostrou na obra <strong>de</strong> Hannah Arendt e na sua análise do antissemitismo<br />

o papel dos ressentimentos que animam a obscurida<strong>de</strong> dos ódios<br />

públicos, que estão presentes na dinâmica dos movimentos totalitários (Ansart,<br />

2004, pp. 17-33). Creio que um dos pontos altos da análise <strong>de</strong> Rui é precisamente<br />

o <strong>de</strong> apontar a corrosiva e malévola presença dos ódios públicos na<br />

questão Dreyfus. Esta crítica está em consonância com a sua visão geral dos<br />

riscos para a justiça das paixões públicas. Em seu O <strong>de</strong>ver do advogado, apontou<br />

que “não faltam na história dos instintos malignos da multidão, no estudo instrutivo<br />

da contribuição <strong>de</strong>les para os erros judiciários, (...) casos <strong>de</strong> lamentável<br />

memória“sobre as iniquida<strong>de</strong>s da justiça”, lembrando que “Circunstâncias há,<br />

(...) ainda entre as nações mais adiantadas e cultas, em que esses movimentos<br />

obe<strong>de</strong>cem a verda<strong>de</strong>iras alucinações coletivas.” (Barbosa, 1985b, p. 46).<br />

60

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!