Prosa - Academia Brasileira de Letras
Prosa - Academia Brasileira de Letras
Prosa - Academia Brasileira de Letras
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Celso Lafer<br />
<strong>de</strong> antemão sentenciado pela ‘opinião pública’ e tratando-se, por cúmulo, <strong>de</strong> um<br />
acusado em cujas veias circula sangue ju<strong>de</strong>u” (2004, p. 50). Esta observação,<br />
aponta Tavares Guerreiro, Rui extraiu <strong>de</strong> sua própria reflexão acerca da propaganda<br />
antissemita que açulava contra Dreyfus a opinião pública francesa. Ela é<br />
reforçada pela citação do artigo do Times, que Rui qualifica <strong>de</strong> memorável, que<br />
<strong>de</strong>staca como a acesa propaganda antissemita, na França, avivava a hostilida<strong>de</strong><br />
contra Dreyfus (Barbosa, 2004, p. 53; Tavares Guerreiro, 1994, pp. 86-87).<br />
Batista Pereira, que foi <strong>de</strong>dicado colaborador e genro <strong>de</strong> Rui e, como seu<br />
sogro, um filho espiritual da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito <strong>de</strong> São Paulo (Lacombe,<br />
1975, pp. 5-7), escrevendo sobre Rui e o caso Dreyfus em abrangente reflexão<br />
sobre o antissemitismo, afirmou que “Rui Barbosa execrava o antissemitismo.<br />
Atribuiu-a, na quase totalida<strong>de</strong> dos casos, à inveja e à rivalida<strong>de</strong> e, excepcionalmente,<br />
à paixão”. Narra encontro que tinha tido com Léon Dau<strong>de</strong>t em<br />
1908. Menciona, a propósito da paixão, que este conhecia o livro <strong>de</strong> Joseph<br />
Reinach sobre o processo Dreyfus, que não <strong>de</strong>ixava um ponto obscuro sobre a<br />
absoluta inocência <strong>de</strong> Dreyfus. Ainda assim Dau<strong>de</strong>t não dava o braço a torcer<br />
na questão Dreyfus e conclui: “Não era, portanto, a formidável inteligência e<br />
sim o temperamento que ditava ao mais corrosivo polemista da França o seu<br />
vulcânico antissemitismo”. Registra que, com este relato, Rui teve mais uma<br />
prova da sua tese (Batista Pereira, 1945, p. 15).<br />
O papel <strong>de</strong>sempenhado pelo antissemitismo no processo Dreyfus está, assim,<br />
claramente presente na sensibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Rui. Ela integra sua crítica aos<br />
tribunais <strong>de</strong> exceção, às justiças secretas e à dominação sem freios. Neste contexto,<br />
a análise da fragilida<strong>de</strong> das instituições francesas é também um meio<br />
<strong>de</strong> criticar a ditadura <strong>de</strong> Floriano que, capciosamente, colocou o bem público<br />
acima das leis. Era, como disse, uma lição que o Brasil daqueles dias necessitava<br />
e uma oportunida<strong>de</strong> para <strong>de</strong>stacar os méritos das instituições inglesas:<br />
“Esse hábito <strong>de</strong> colocar os direitos permanentes <strong>de</strong> justiça em altura inacessível<br />
às conveniências do governo, às crises da política, ao clamor das tormentas<br />
populares é a virtu<strong>de</strong> car<strong>de</strong>al da Inglaterra” (2004, p. 54).<br />
Em síntese, o texto <strong>de</strong> Rui sobre Dreyfus, na clarividência da sua especificida<strong>de</strong><br />
própria, não é um aci<strong>de</strong>nte na sua trajetória. Está em perfeita consonância<br />
58