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Prosa - Academia Brasileira de Letras

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Releituras<br />

uma semana <strong>de</strong> sexo mercenário se mandou com tudo em que pô<strong>de</strong> pôr as<br />

mãos. Pois bem, o brilhante inventor da Máquina Turing, cujas tendências<br />

e práticas sexuais todos conheciam, mas, com a famosa hipocrisia britânica,<br />

fingiam ignorar – a polícia só investigava os <strong>de</strong>nunciados – fez isso mesmo:<br />

<strong>de</strong>nunciou o ladrão. O preso porém foi ele, que, processado, não resistiu à<br />

vergonha e matou-se. Mais ou menos o que fizera Wil<strong>de</strong> no século anterior,<br />

sem o epílogo do suicídio.<br />

<br />

O tempora, o mores<br />

A essa altura, eu já dominava o inglês, o espanhol e o italiano – apenas lidos,<br />

não falados – e começara a traduzir artigos literários, <strong>de</strong> graça, claro, para<br />

jornais <strong>de</strong> Salvador. Não fora bem uma iniciativa pessoal. Com meu comunismo<br />

antiamericanista, eu <strong>de</strong>testava tudo que fosse ianque, y compris Coca-Cola<br />

e uísque. Mas adorava o cinema <strong>de</strong> Hollywood e começava a enfronhar-me<br />

nos sedutores mistérios do jazz, que <strong>de</strong>pois vim a i<strong>de</strong>ntificar como a gran<strong>de</strong><br />

música clássica do século XX; os compositores clássicos, com experimentalismos<br />

estéreis, haviam entregado <strong>de</strong> ban<strong>de</strong>ja a batuta aos negros do Harlem e<br />

das fazendas <strong>de</strong> algodão do sul norte-americano. Uma contradição dialética a<br />

mais ou a menos não ia fazer gran<strong>de</strong> diferença, ia?<br />

Logo no início <strong>de</strong> minha trajetória literária, porém, tive como mentor um<br />

gran<strong>de</strong> amigo, o jovem (para mim, então, velho) crítico literário Carlos Falk,<br />

que se matou por amor (ah, o romantismo da Bahia naqueles anos <strong>de</strong> juventu<strong>de</strong>),<br />

e um <strong>de</strong> seus primeiros conselhos foi: se eu queria ser escritor, tinha <strong>de</strong><br />

saber pelo menos uma língua estrangeira que não fosse o espanhol; bem ou<br />

mal, a gente conseguia ler textos nesse idioma, em particular os que vinham<br />

numa revista da Cuba <strong>de</strong> Fi<strong>de</strong>l dirigida ao Brasil. Anos <strong>de</strong>pois, nos anos 1970,<br />

conversando com o argentino Ernesto Sábato em São Paulo, conversamos sobre<br />

isso. Qualquer brasileiro <strong>de</strong> certa cultura podia ler os livros <strong>de</strong>le, e ele só a<br />

custo e mal conseguia ler os meus. É assim com os dois povos.<br />

A cronista Eneida contava que, num congresso <strong>de</strong> escritores comunistas na<br />

Espanha, alguém lhe <strong>de</strong>finiu a língua portuguesa como castelhano indigente,<br />

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