Prosa - Academia Brasileira de Letras
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Releituras<br />
redatores – <strong>de</strong> todos os tempos. Sem falar em toda uma época, que viu Gogol,<br />
Liermontov, Turguêniev, Checov, Górki, Andreiev, Goncharov, e que nem a<br />
censura soviética matou, como Ehrenburg e Cholocov.<br />
Reconheço que essas distinções são um pouco sutis <strong>de</strong>mais, e só posso<br />
tentar explicá-las com exemplos. O escritor é o, digamos, redator, o amanuense<br />
que apenas põe no papel as palavras ditadas pelo romancista, segundo as<br />
regras da sintaxe e da gramática, não muito importantes no caso. O narrador<br />
é o que estrutura a história, arma as situações, <strong>de</strong>senha as personagens. E o<br />
romancista, bem, o romancista é o que concebe a coisa toda.<br />
Assim, Balzac foi um gran<strong>de</strong> romancista, mas um péssimo escritor e pior<br />
redator e narrador, a não ser nos dois últimos romances, A prima Bete e O primo<br />
Pons, para os quais se inspirou nas cenas teatrais e estáticas dos folhetinistas<br />
franceses, que estão na origem do romance contemporâneo. Dostoiévski, talvez<br />
<strong>de</strong>vido à pressa com que escrevia (como Balzac), foi um péssimo redator,<br />
um narrador sofrível, a não ser em Crime e castigo e no primeiro romance epistolar,<br />
Pobre gente, que publicou aos vinte e quatro anos, e, como eu já disse, o<br />
maior dos romancistas. O equilíbrio perfeito, quem o alcançou foi o russo<br />
naturalizado inglês Joseph Conrad (nascido numa província da Polônia então<br />
sob domínio russo, e por isso também consi<strong>de</strong>rado polonês); porém com essa<br />
perfeição mesma pecou, por assim dizer; faltava-lhe exatamente o toque <strong>de</strong><br />
imperfeição que caracteriza as produções humanas – que as torna humanas. E<br />
não chegou à esterilida<strong>de</strong> do perfeito O velho e mar.<br />
Voltando a Mann, ele não me pareceu diferente da minha <strong>de</strong>finição dos<br />
europeus, mas pelo menos consegui chegar ao fim da Montanha, em suaves<br />
prestações <strong>de</strong> leitura: lia cem, cento e cinquenta páginas, largava, pegava outros<br />
livros, voltava, e assim por diante, durante meses. Ufa!<br />
Mas aí aconteceu outra coisa: fiquei com uma imagem absolutamente negativa<br />
do romance – e do autor. Sempre que alguém pedia minha opinião<br />
sobre a Montanha mágica, eu respondia:<br />
– Olhe, um escritor que escreve vinte páginas <strong>de</strong> botânica, da estrutura das<br />
folhas contra o sol, sem qualquer relação direta com o livro, só para explicar a<br />
transparência da aba do nariz da heroína Cláudia Chauchat, não é escritor.<br />
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