Prosa - Academia Brasileira de Letras
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“O processo do Capitão Dreyfus”<strong>de</strong> Rui Barbosa<br />
neste mundo, que a <strong>de</strong>mocracia, se a <strong>de</strong>mocracia fosse isso”, acrescentando, a<br />
propósito: “Se o número não souber dar razão dos seus atos, se as maiorias<br />
não se legitimarem pela inteligência e pela justiça, o governo popular não será<br />
menos aviltante que o dos autocratas”. Conclui seu raciocínio nesta passagem<br />
nos seguintes termos: “Mal honram a pátria as construções <strong>de</strong> um patriotismo<br />
histérico, que vive a se superexcitar com a obsessão <strong>de</strong> traições, que julga<br />
<strong>de</strong> oitiva, fulmina por palpites, e instiga os magistrados a prevaricarem, antepondo<br />
a popularida<strong>de</strong> à justiça” (2004, pp. 39-40).<br />
Rui, que via na missão do jornalista e na da imprensa uma força <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong><br />
(Cardim, 1960, pp. 715-728), não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> comentar que, na Inglaterra,<br />
“on<strong>de</strong> não chega o revérbero ar<strong>de</strong>nte do braseiro francês, ninguém compreen<strong>de</strong><br />
o encarniçamento da imprensa daquele país sobre o cadáver moral <strong>de</strong><br />
Dreyfus” (Barbosa, 2004, cit. p. 40). O seu comentário está em antecipatória<br />
consonância com as avaliações <strong>de</strong> Alberto Dines e Jean-Denis Bredin acima<br />
referidas sobre o papel da imprensa francesa no caso Dreyfus.<br />
Rui realça o <strong>de</strong>spropósito jurídico e a agravada dimensão da injustiça da<br />
lei votada pelo legislativo francês, logo após o julgamento <strong>de</strong> Dreyfus, à qual<br />
foi dado efeito retroativo, <strong>de</strong>slocando o seu <strong>de</strong>gredo da Nova Caledônia para<br />
a Guiana Francesa. Nela i<strong>de</strong>ntifica “uma intenção <strong>de</strong> vindita individual, um<br />
caracter <strong>de</strong> rancor” que representava uma nova pena, com efeito retroativo,<br />
contrário aos princípios essenciais que todas as legislações contemporâneas<br />
estigmatizaram (2004, pp. 40-41).<br />
Rui <strong>de</strong>screve a atroz cerimônia <strong>de</strong> <strong>de</strong>gradação militar a que foi submetido<br />
Dreyfus e a “rebuscada e caprichosa <strong>de</strong>sumanida<strong>de</strong>” do suplício da tortura<br />
moral que lhe foi imposta, que “revolta profundamente o sentimento contemporâneo”<br />
(2004, p. 34).<br />
Destaca a altivez e a surpreen<strong>de</strong>nte faculda<strong>de</strong> sobre-humana que <strong>de</strong>u a<br />
Dreyfus a energia para enfrentar a provação e proclamar a sua inocência. No<br />
comportamento do acusado i<strong>de</strong>ntificou o enraizado sentimento <strong>de</strong> sua honra<strong>de</strong>z<br />
e <strong>de</strong> sua absoluta inocência (2004, pp. 37-38). E, com inequívoca intuição<br />
política, entreviu que a verda<strong>de</strong>ira causa da con<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> Dreyfus era o antissemitismo,<br />
ao observar que o processo que corria num tribunal militar era “pleito<br />
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